TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
293 acórdão n.º 284/20 Se o agente não foi, ele mesmo, fonte do risco da aparência de indícios da prática de um facto criminoso não poderá recair sobre si o ónus de suportar todos os custos da privação da liberdade sem qualquer posterior reparação. […] São os fundamentos do Estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana que justificarão esta solu- ção – artigos 1.º, 2.º, e 18.º, n. os 2 e 3 da Constituição […]. Analisada a questão sub judicio nesta perspetiva não poderá ser aceitável um sistema de responsabilidade civil pela prisão preventiva, revelada injustificada ex post , devido à absolvição do arguido, que se baseie apenas na lega- lidade ex ante da sua aplicação em face dos elementos então disponíveis. Mesmo a mais perfeita justificabilidade da prisão preventiva numa perspetiva ex ante não pode, em nome do carácter absoluto de uma necessidade processual, sobrepor-se ao direito do arguido – que não deu causa a essa situação por qualquer comportamento doloso ou negligente – a ser reparado dos prejuízos sofridos nos seus direitos fundamentais.» 13. No caso dos presentes autos, e sem prejuízo do que o Tribunal já afirmou a tal propósito nos Acór- dãos n. os 12/05 e 13/05 (respetivamente, nos seus n. os 16 e 14), poderia (voltar a) questionar-se se a «ordem constitucional de valores», ou, porventura, a ideia de justiça distributiva, fundada, não no artigo 22.º, mas antes num direito geral à reparação de bens, corolário do princípio do Estado de direito democrático (sobre o mesmo, cfr. o Acórdão n.º 363/15, n.º 8) ou na igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, não imporá a indemnização de todos os sacrifícios graves e individualizados impostos pelo Estado aos particulares por razões de interesse público, e, consequentemente, se a solução legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP, em vez de corresponder a uma opção livre do legislador, não será constitucionalmente devida, ainda que por força de outras exigências que não as decorrentes do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição. Com efeito, a entender-se «que a responsabilidade do Estado só existiria nos casos de privação da liberdade, quando a privação da liberdade fosse “contra o disposto na Constituição e na lei”, então ficariam de fora, sem qualquer proteção indemnizatória, os casos de privação da liberdade, constitucional e legalmente incensuráveis, mas causadores de danos de especial e particular gravidade aos indivíduos detidos [como sucede nos] casos de prisão preventiva longa que terminaram pela absolvição do detido ou pelo arquivamento do processo [já que] a prisão preventiva, lícita embora, não deixa de ser uma lesão do direito de liberdade […]» (vide Gomes Canotilho, «Anotação ao acórdão do STA de 9 de outubro de 1990» in Revista de Legislação e de Jurisprudên- cia, Ano 124.º, n.º 3804, 1991-1992, p. 85). De acordo com esta linha de raciocínio, a questão suscitada pela norma objeto do presente recurso obrigará a indagar se a razão de ser da imposição dos aludidos sacrifícios individualizados sofridos por quem é sujeito à prisão preventiva não exige um tratamento idêntico de todos os casos em que o juízo de prognose sobre a culpabilidade do arguido é infirmado por um juízo definitivo de absolvição, sendo por conseguinte ilegítimas distinções baseadas nos fundamentos de tal juízo. 14. O artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP consagra o direito a uma indemnização por danos sofridos em consequência de prisão preventiva “regular” – ou seja, não contrária à Constituição nem à lei – desde que o interessado comprove a sua inocência, isto é, que não foi agente do crime ou atuou justificadamente. O exercício desse direito ocorre numa ação autónoma e ulterior ao processo criminal, a intentar no tribunal competente – um tribunal da ordem dos tribunais judiciais. E, na interpretação normativa ora sindicada, o interessado, caso tenha sido absolvido com base na presunção de inocência, não preenche aquele requisito, já que tal absolvição não é considerada suficiente para estabelecer positivamente a sua inocência. Deste modo, sempre que o autor numa ação desse tipo invoque a sua anterior absolvição criminal como elemento da causa de pedir, resulta da referida interpretação normativa que o tribunal competente deva necessariamente analisar os termos da decisão penal absolutória, a fim de determinar se a mesma permite, ou não, dar como provada a inocência do autor que foi arguido no processo criminal anterior e que, nessa qualidade, sofreu uma medida de coação privativa da sua liberdade.
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