TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

291 acórdão n.º 284/20 regra é a da constituição do dever de indemnizar do Estado em casos de prisão preventiva manifestamente ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 225.º. Fora dos casos de manifesta ilegalidade, prevê o n.º 2 do mesmo artigo o direito a indemnização por prisão preventiva legal, fazendo no entanto depender a constituição de tal direito da existência de erro grosseiro na apreciação, pelo juiz, dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida de coação. [Assim,] a apreciação de qualquer requisito de que a lei faça depender a possibilidade de aplicação da prisão preventiva deve ser efetuada ao abrigo do princípio-regra, consignado no n.º 1. […] Já todas as situações de privação de liberdade indemnizáveis nos termos do n.º 2 do artigo 225.º do CPP pressupõem a legalidade da prisão preventiva. Assim, perante uma situação de sujeição a prisão pre- ventiva legal, cabe ao autor da ação demonstrar a existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sua aplicação, sendo que o juízo, embora formulado em tempo posterior, se faz sempre em função do momento e das circunstâncias em que foi proferida a decisão, ou seja, tendo por base os factos, elementos e circunstâncias ocorridos na ocasião em que a prisão preventiva foi decretada ou man- tida» (assim, vide o Acórdão citado, n.º 3.1; recorde-se, todavia, a observação certeira do Conselheiro Mário Torres sobre a errada representação dos pressupostos de facto da decisão de decretar a prisão preventiva – cfr. supra o n.º 11). Agora, com a nova redação, além de se omitir qualquer referência expressa a uma relação de subsidia- riedade, acolhe-se um terceiro requisito que não exige uma apreciação reportada ao tempo em que a decisão de impor a privação da liberdade foi adotada, mas a um momento posterior que pode ser o do despacho de arquivamento, o do despacho de não pronúncia, o da absolvição ou, nos termos da letra da lei, até o momento da produção da prova na própria ação de indemnização. O primeiro aspeto parece vir dar razão à aludida observação feita pelo Conselheiro Mário Torres nas declarações de voto juntas aos Acórdãos n. os 12/05 e 13/05. Nesse sentido se pronuncia, por exemplo, Luís Fábrica: «Significativamente, a nova redação do artigo 225.º, dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, abandonou a fórmula anterior – prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto” –, o que parece traduzir o reconhecimento de que o erro grosseiro de apre- ciação dos factos constitui também ele uma ilegalidade e que a privação da liberdade “injustificada” é, na realidade, ilícita» (v. Autor cit., in Rui Medeiros (org.), Comentário ao Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, anotação ao art. 13.º, p. 362). Tratar-se-á, então, de uma mera clarificação, sublinhando aquilo que a própria jurisprudência constitu- cional já havia reconhecido: a demonstração da existência de uma privação da liberdade ilegal ou viciada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sua imposição, podendo embora fazer-se em tempo posterior, reporta-se sempre ao momento e às circunstâncias em que foi proferida a deci- são, ou seja, tendo por base as normas, os factos, os elementos e circunstâncias ocorridos na ocasião em que a privação da liberdade foi decretada ou mantida (cfr. o Acórdão n.º 185/10, n.º 3.1). Verdadeiramente inovador é o segundo aspeto referido, porquanto o mesmo prevê, conforme resultava já dos termos da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que o Estado assuma o dever de indem- nizar, mesmo que a medida de privação da liberdade tenha sido legal e corretamente aplicada (cfr. supra o n.º 8). O único requisito exigido é o da comprovação positiva de que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente, o que só pode ser apurado a posteriori . Ou seja, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP [e deixando de lado o requisito nega- tivo previsto no n.º 2 do mesmo artigo, também aplicável ao caso da alínea b) do n.º 1], a demonstração da existência de uma privação da liberdade injusta ou objetivamente injustificada faz-se sempre ex post , com base numa apreciação incidente sobre dados – designadamente, as provas destinadas a comprovar os pressupostos de facto previstos na alínea em causa – que não foram considerados – nem tinham de o ser – no momento em que a privação da liberdade foi decretada. Por isso, é que se diz na mencionada Proposta de Lei que tal

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