TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
29 acórdão n.º 429/20 39. Por outro lado, segundo o artigo 3.º, n.º 1, do próprio diploma ora em apreço, os operadores de TVDE bem como os operadores de plataformas eletrónicas ficam obrigados ao cumprimento das suas obrigações fiscais e declarativas na Região [norma esta que expressa o poder de adaptação do sistema fiscal nacional, constante do artigo 227.º, n.º 1. alínea i) , da CRP]. 40. Mesmo independentemente desta última norma, as receitas fiscais geradas na Região Autónoma da Madeira por estas atividades constituem, então, receita regional. 41. Pelo que, a exigência de “estabelecimento estável” na Região, parecendo constituir apenas uma tentativa de “garantia adicional” das receitas regionais dos impostos e, nessa medida, uma utilização do seu poder de adaptação regional do sistema fiscal, vem na verdade onerar a liberdade de iniciativa económica dos agentes nesta área além do que a competência legislativa regional comporta. 42. Na linguagem do princípio da proporcionalidade, esta medida não passa desde logo o teste da “adequação”, pois não permite por si o resultado fiscal que pudesse ser pretendido. 43. Mas ainda que assim fosse, ela não seria “necessária”, pois já existem mecanismos legais para assegurar as receitas regionais dos impostos. 44. De contrário, estaria a colocar-se sobre os operadores privados o peso ou consequências negativas de even- tuais deficiências nas relações financeiras entre o Estado e a Região, ou que, não só confirma a desnecessidade da medida, como deixa entrever uma afetação intolerável da situação dos agentes económicos em termos de propor- cionalidade em sentido estrito (o terceiro teste do princípio da proporcionalidade). (…) 46. Mas as normas em causa podem ter um outro efeito: elas podem beneficiar empresas que já tenham a sua sede na Região Autónoma da Madeira, ou que nela neste momento já tenham “estabelecimento estável”: por outras palavras, as normas em causa podem traduzir-se num benefício para empresas regionais ou já regionalmente estabelecidas. 47. Ora, não existe qualquer fundamento racional constitucionalmente admissível para esse benefício ou dis- criminação positiva. 48. Na verdade, quaisquer empresas que queiram operar na Região Autónoma da Madeira, seja como operado- ras de TVDE, seja como operadoras de plataforma eletrónica, têm que vencer uma análise custo / benefício que as que já lá se encontram não precisam de levar a cabo: a análise da economicidade de lá instalar um “estabelecimento estável”. 49. No caso, o que é constitucionalmente perturbador é que a necessidade dessa análise custo / benefício resulta da introdução de uma restrição pelo legislador regional, ou, por outras palavras, é uma necessidade criada pelo legislador regional, e não uma dificuldade simplesmente emergente da circunstância da insularidade. 50. Podemos estar, portanto, perante uma situação de discriminação indireta (ou muito próximos dela, pois a mesma é muitas vezes difícil de identificar). Enquanto na discriminação direta encontramos a utilização explícita de critérios de diferenciação em situações idênticas, na discriminação indireta identificam-se práticas suposta ou aparentemente neutras, do ponto de vista da diferenciação, mas que produzem resultados discriminatorios por se dirigirem a situações de facto ja de si diversas. 51. Assim, verifica-se uma situação de discriminação indireta sempre que uma norma, um critério ou certa prática, aparentemente neutros, possam colocar numa situação de desvantagem, comparativamente, sujeitos com uma certa característica que não pode ser utilizada para fazer distinções – no caso, a localização geográfica –, a não ser que essa norma, critério ou prática tenha uma justificação objectiva num propósito legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários (a figura da discriminação indireta, muito trabalhada no Direito da União Europeia pelo Tribunal de Justiça, foi já também reconhecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em 2007, no caso DH e Outros v. República Checa , queixa n.º 57325/00). (…) 53. Esta situação traduz também uma perturbação da concorrência, imputável ao legislador regional, em sentido contrário ao do dever emergente para o Estado e demais poderes públicos (no âmbito das respetivas com- petências) de “assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência
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