TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
289 acórdão n.º 284/20 com o n.º 490, este Autor qualifica expressamente o direito à indemnização prevista no artigo 27.º, n.º 5, da Constituição como um direito juridicamente construído pelo legislador, referindo o Acórdão n.º 160/95). Assim, a lei aprovada ao abrigo de tal preceito constitucional pode legitimamente prever «sistemas con- dicionadores da indemnização – e não de indemnização automática – por privação da liberdade» (Acórdãos n. os 12/05 e 13/05), que possibilitem tomar em conta as diversas particularidades dos casos, com o assinalado limite quanto à não desfiguração e ao não esvaziamento do princípio da indemnização. Daqui decorre também uma consequência importante quanto à delimitação do âmbito de proteção do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição, que os citados Acórdãos n. os 12/05 e 13/05 não deixaram de assinalar: «[S]e o legislador constitucional se referiu apenas à privação da liberdade em contrariedade à Constituição e à lei, e não à posteriormente verificada falta de justificação da prisão (independentemente da causa pela qual tal falta de justificação só então pode ser constatada), não parece que possa extrair-se do artigo 27.º, n.º 5, a imposi- ção de prever um dever de indemnizar sempre que o processo não finde com uma condenação, com fundamento numa comparação entre o juízo provisório sobre a culpabilidade do arguido e o juízo definitivo de absolvição. Esta última opção [– correspondendo a um sistema que imponha ao Estado, e não ao cidadão, o risco do erro, revelado posteriormente, sobre a justificação da prisão preventiva, risco que naturalmente sobre ele recai no exercício do ius puniendi –] não se afigura que […] seja uma imposição constitucional – tal como não é imposta pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É antes ao legislador, e não a este Tribunal, que, se o entender, cabe subscrever e impor esse tipo de opções de política legislativa, dentro dos limites constitucionalmente exigidos.» 11. Para a correta compreensão do âmbito de proteção do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição, importa ainda referir que o mesmo se reporta imediatamente à própria decisão de impor (ou manter) a privação da liberdade, e não ao resultado do processo – à respetiva decisão final – no âmbito do qual a mesma foi decretada. A perspetiva ex ante é aqui fundamental (contrariamente ao que poderia inculcar a distinção estabelecida nos n. os 1 e 2 do artigo 225.º do CPP, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, entre prisão ilegal e prisão injustificada; de resto, como bem notou o Conselheiro Mário Torres nas suas declarações de voto juntas aos Acórdãos n. os 12/05 e 13/05, «uma prisão preventiva decretada com base em errada representação dos pressupostos de facto acaba por ser também uma prisão preventiva decretada em situação não permitida por lei e, por isso, nestes sentido, “ilegal”»). Tal é evidente para a falta de justificação formal da privação da liberdade (resultante da imposição por ato contrário às disposições da Constituição, da Convenção ou da lei), mas não menos clara para a sua falta de justificação material. Com efeito, a imposição (ou manutenção) da prisão preventiva implica, para além da observância dos pressupostos legais ( v. g. , competência, crime indiciado, prazos), um juízo de prognose quer quanto ao fumus comissi delicti , quer relativamente ao periculum libertatis (cfr., respetivamente, os artigos 202.º, n.º 1, e 204.º, ambos do CPP). Essa prognose assenta em meros indícios e dela faz parte uma estimativa sobre o modo como ocorreram os factos e sobre o êxito da investigação destinada a confirmá-la. Tal estimativa envolve sempre o risco de não confirmação, seja por se provar que afinal, e apesar dos indícios, o arguido não praticou os factos que lhe foram imputados, seja pela falta de êxito da investigação em confirmar, para além de toda a dúvida razoável, os factos que estiveram na base da acusação. Simplesmente, esta falta de confirmação não implica, de per si, um erro, e muito menos um erro gros- seiro, na avaliação da situação inicial. Com efeito, aquela falta de confirmação pode dever-se a circunstâncias e desenvolvimentos posteriores ao momento em que a avaliação foi realizada. A situação já será diferente caso se comprove que, desde o início, não se encontravam reunidas as condições necessárias para que a investiga- ção pudesse conduzir a um juízo definitivo sobre a culpabilidade do arguido. Ou seja, há que distinguir as situações em que a falta de justificação da privação da liberdade, apesar de apurada em momento posterior, maxime na sequência de um juízo absolutório, decorre de um vício da própria decisão que a determinou ou de um posterior desenvolvimento do processo. No primeiro caso, existe
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