TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

288 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL clareza uma tendência para alargar o respetivo âmbito de aplicação e para definir com mais precisão os seus pressupostos; mas, com não menor evidência, ela também mostra a preocupação de condicionar e limitar a indemnização por privação da liberdade, mesmo naqueles casos, como o presente, em que o processo ter- mina com uma absolvição do arguido, não confirmando, portanto, o juízo de prognose sobre a sua culpabi- lidade, inerente à aplicação das medidas de coação de obrigação de permanência na habitação ou de prisão preventiva (o fumus comissi delicti; cfr. os artigos 201.º, n.º, 1, e 202.º, n.º 1, ambos do CPP). O Tribunal Constitucional foi, por isso mesmo, e mais de uma vez, chamado a apreciar a compatibilidade do sistema legal instituído com as exigências constitucionais relevantes neste domínio, mormente as que decorrem do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição. 10. Numa jurisprudência que remonta ao Acórdão n.º 90/84, e sucessivamente confirmada pelos Acór- dãos n. os 160/95, 12/05, 13/05 e, no essencial, e apesar da indagação e ponderação nele realizadas sobre o «“espírito” do preceito» (cfr. os n. os 4.1 e 4.2), também no Acórdão n.º 185/10, tem este Tribunal vindo a considerar que o artigo 27.º, n.º 5, da Constituição reconhece e consagra um direito fundamental das pessoas prejudicadas por uma prisão «contra o disposto na Constituição e na lei» cujo conteúdo exato, assim como os termos do seu exercício, se encontram dependentes de uma intervenção constitutiva e conformadora do legislador ordinário. Nesse sentido, é de reiterar a afirmação paradigmática feita no Acórdão n.º 12/05 (e também no Acórdão n.º 13/05, n.º 13): «15. Prevê o artigo 27.º, n.º 5, da Constituição o dever do Estado de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer, em caso de privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei. Consagra-se aqui um direito cuja conformação é, porém, remetida para o legislador ordinário, deixando a este, pois, um espaço de escolha autónoma da solução adequada, no quadro do exercício das suas opções políticas. Mais, porém, do que um mero espaço para concretização do direito em questão, o legislador constitucional não deixou, porém, a obrigação de indemnização – e, por conseguinte, o correspetivo direito – com os seus pressupostos e conteúdo definidos logo a nível constitucional. Antes devolveu ao legislador a incumbência de construir o conteúdo do próprio direito fundamental em causa. Ora, é claro que, nestes casos, o tipo de controlo de constitucionalidade a efetuar tem de conhecer limites – desde logo, pela diversidade de alcance do parâmetro – mais apertados do que quando está em causa, por exemplo, simplesmente uma lei concretizadora, condicionadora ou restritiva de direitos. Na verdade, no caso do artigo 27.º, n.º 5, a intervenção legislativa, mais do que apenas uma concretização ou promoção do direito fundamental (e, assim, do que uma mera regulamentação da fixação da indemnização, na sua forma e quantum ), é, por decisão do próprio legislador constitucional, constitutiva e conformadora do seu conteúdo, no exercício de uma liberdade que a Constituição quis deixar às opções de política legislativa. Assim, é claro que o controlo judicial da conformidade com a Constituição se poderá aqui fazer apenas segundo um critério de evidência (isto é, destinado a apurar se é manifesta a inconstitucionalidade), e, designadamente, ape- nas quanto ao respeito pelo núcleo essencial do direito assegurado pelo artigo 27.º, n.º 5, da Constituição, evitando que ele seja esvaziado ou aniquilado pelo concreto regime conformador». Este entendimento confirma que a restrição constitucionalmente admissível do direito à liberdade se localiza na lei prevista no artigo 27.º, n.º 3, da Constituição, e não na lei a que se reporta o n.º 5 do mesmo preceito (cfr. supra o n.º 7). Diferentemente, esta última deve, isso sim, constituir o sistema legal de compen- sação por privação da liberdade contrária à Constituição ou àquela lei que consagra os casos excecionais em que a privação da liberdade é constitucionalmente admissível sem ser em consequência de sentença judicial condenatória ou de aplicação judicial de medida de segurança. Ou seja, o artigo 27.º, n.º 5, prevê uma lei conformadora ou constitutiva: a mesma não restringe o conteúdo do direito ou da garantia constitucional em causa, «porque é a ela própria que cabe determiná-lo, para além do conteúdo mínimo ou do núcleo essencial do direito ou da garantia que decorrem da Constituição» (assim, vide Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 210; em nota,

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