TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

287 acórdão n.º 284/20 privação contra constitutionem reportam-se, tal como referido no n.º 4.1 do Acórdão n.º 185/10, «àqueles casos em que a afetação do direito tenha ocorrido fora dos casos tipicamente definidos no n.º 3» do artigo 27.º). Ou seja, a imposição de prisão preventiva, conjugada com a posterior absolvição, não é condição sufi- ciente do dever de indemnizar, de acordo com aqueles dois preceitos (cfr., no respeitante à CEDH, e entre muitos, o acórdão Cheema c. Belgique , de 9 de fevereiro de 2016, n.º 60056/08, § 23, e aqueles que aí são indicados). Significa isto que, ao menos prima facie , a compensação daquele risco, que uma vez materiali- zado se traduz no sacrifício do direito à liberdade justificado pela necessidade de salvaguardar certos valores fundamentais, não é diretamente salvaguardada por nenhum daqueles dois preceitos.      8. No sentido de disciplinar o dever de indemnização em análise, afirmou-se o seguinte na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 21/IV, que esteve na origem da lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovado o CPP pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (a Lei n.º 43/86, de 26 de setembro): espera-se «que eventuais abusos [em matéria de prisão preventiva] encontrem resposta adequada através do sistema que para tanto [se] engendrou e no qual, ao lado dos tradicionais modos de impugnação da prisão ilegal, se perfila a possibilidade de indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada» (itálicos acrescentados). Daí a previsão na redação originária do artigo 225.º do CPP de dois pressupostos do direito à indemnização nele consagrado: a prisão preventiva (ou a detenção) manifestamente ilegal (n.º 1) e (apenas) a prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia (n.º 2). A Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, limitou-se a eliminar o inciso constante do n.º 2 referente à qualificação dos danos indemnizáveis (apenas os «prejuízos anómalos e de particular gravidade»). Posteriormente, na sequência da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o artigo 225.º do CPP foi reformu- lado, passando a dispor o seguinte: «Artigo 225.º Modalidades 1 – Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando: a)  A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º; b)  A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou c)  Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente. 2 – Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade». A referida Lei acolheu a redação constante da Proposta de Lei n.º 109/X, que justificou a alteração nestes termos: «Para além dos casos anteriormente contemplados, atribui-se o direito de ser indemnizado a quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação e não for condenado por não ter sido o agente do crime ou por ter atuado justificadamente. Apesar de a medida de privação da liberdade ter sido corretamente apli- cada, é justo que o Estado de direito assuma a responsabilidade pelos danos sofridos por arguidos inocentes.»   Foi com esta redação que o artigo 225.º do CPP foi interpretado e aplicado pela decisão ora recorrida. 9. Independentemente do exato alcance da evolução legislativa quanto ao reconhecimento do direito a indemnização por privação da liberdade no âmbito do processo criminal, a mesma patenteia com suficiente

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