TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
285 acórdão n.º 284/20 6. De todo o modo, a análise das objeções levantadas pelo Ministério Público permite clarificar que, na interpretação do tribunal a quo, a dimensão normativa decisiva do artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP para justificar, in casu , a negação de provimento ao recurso de revista é a insuficiência de uma sentença absolutória fundada no princípio in dubio pro reo para preencher um dos pressupostos do direito de indemnização pre- visto naquele preceito – a inocência do demandante relativamente ao crime que se suspeitou que o mesmo tivesse cometido e em razão do qual o mesmo foi privado da liberdade, a título cautelar e provisório; ou, na perspetiva simétrica, a limitação da atribuição daquele direito aos casos em que conste da sentença absolutó- ria invocada pelo demandante a prova positiva da sua inocência. Em suma, a absolvição criminal, por si só, não é condição suficiente para o preenchimento dos pressu- postos de facto do direito à indemnização previstos no artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP; tendo chegado o processo criminal à fase de julgamento, a mesma absolvição é mera condição necessária, já que, além da própria absolvição, importará fazer a comprovação (judicial) positiva de que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente. Tal prova positiva da inocência do arguido pode resultar dos fundamentos da própria sentença absolutória ou, porventura, de novas provas carreadas pelo interessado para o processo correspondente à ação de indemnização. Na perspetiva considerada, exclui-se, isso sim, que a prova em causa resulte de uma decisão absolutória proferida com base no princípio da presunção de inocência. Deste modo, o que se discute in casu é saber se é compatível com a Constituição aquele preceito do CPP, interpretado no sentido de que, não se satisfazendo com a simples absolvição penal, faz depender o direito a indemnização do reconhecimento positivo da inocência do arguido anteriormente sujeito a prisão preventiva, quer essa inocência resulte diretamente da fundamentação da decisão absolutória, quer de novos elementos de prova recolhidos no âmbito da ação de responsabilidade civil contra o Estado. A questão de constitucionalidade normativa em causa nos presentes autos centra-se, assim, no aspeto de se não dever considerar, para efeitos do disposto no citado artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , que um arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva e que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo está inocente do crime de que foi acusado, ficando desse modo preenchido o requisito previsto nesse preceito – a comprovação de que aquele arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente. É esse o aspeto decisivo da questão de direito decidida pelo acórdão recorrido e o mesmo está presente quer na suscitação da questão de constitucionalidade nas alegações de revista (a denegação do direito à indemnização quando este se sustenta em «decisão absolutória ao abrigo do princípio in dubio pro reo » – conclusão P) , quer no enunciado de tal questão no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade (cfr. supra o n.º 2). Em relação ao mesmo aspeto, verifica-se, portanto, a tríplice iden- tidade entre a questão previamente suscitada perante o tribunal a quo, a ratio decidendi do acórdão recorrido e o objeto (material) do recurso de constitucionalidade enunciado no respetivo requerimento. Justifica-se, por conseguinte, delimitar em função de tal dimensão normativa o objeto do presente recurso: o artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretado no sentido de se não considerar que não foi agente do crime ou atuou justificadamente o arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva e que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo . B) Do mérito do recurso 7. O artigo do CPP que integra a norma ora sindicada visou dar cumprimento à injunção constitucional do n.º 5 do artigo 27.º da Constituição, aditado na revisão constitucional de 1982: a «privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer » (itálicos acrescentados). Este preceito articula-se com as exceções ao direito à liberdade admitidas nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, abrangendo, desse modo, também os casos em que a privação da liberdade é determinada por ato da função jurisdicional, como sucede com a imposição de prisão preventiva [cfr. a alínea b) do referido n.º
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