TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL objeto do presente recurso de constitucionalidade de forma clara e expressa, nomeadamente no artigo 22.º e na conclusão identificada sob a alínea P da referida peça processual. Com efeito, invocando que, mesmo seguindo uma interpretação mais restritiva daquele preceito do CPP, os factos alegados reúnem todos os requisitos para o exercício do direito nele previsto, designadamente no que se refere à comprovação positiva da sua inocência, o recorrente afirma na mencionada conclusão: «[O] certo é que qualquer interpretação do estabelecido na alínea c) n.º 1 do art.º 225.º CPP que restrinja o exercício do direito à referida comprovação positiva ou que o denegue por se sustentar em decisão absolutória ao abrigo do princípio in dubio pro reo , é inconstitucional por, desde logo, ofender o primado da Dignidade Humana, bem como, os princípios da presunção da inocência e da igualdade, cfr. art 1.°, 2.º, 13.º e 32.º n.º 2 da Constitui- ção da República Portuguesa e n.º 2 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.» Concordantemente, o tribunal a quo identificou e pronunciou-se sobre a questão de constitucionalidade colocada nestes termos (cfr. o excerto transcrito supra no n.º 1). 5.2. Quanto à segunda ordem de razões invocada pelo Ministério Público para se não conhecer do objeto do recurso – a falta de coincidência entre o critério normativo sindicado e a ratio decidendi do acórdão recorrido –, entende aquele que o tribunal a quo adotou a decisão ora recorrida devido a considerar «não [estar] preenchido o fundamento de que depende a procedência do pedido [formulado pelo ora recorrente], fundamento esse previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 225.º do Cód. de Proc. Penal» (cfr. o n.º 28.º das contra-alegações). Isto porque, conforme se pode ler no acórdão recorrido, o ora recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto dada como assente no saneador-sentença, nomeadamente ao considerar-se aí «não provado que “a absolvição do A. resulta da demonstração de que não praticou os factos de que ia acu- sado”», tendo antes expressamente ressalvado que na revista interposta apenas impugnava «a decisão de uma questão de direito» (cfr. ibidem ; vide também o excerto do acórdão ora recorrido transcrito supra no n.º 1). Isto é exato, mas nem por isso contende com a utilidade do conhecimento do presente recurso e, em especial, com a verificação positiva de que o tribunal a quo aplicou a norma ora sindicada. Com efeito, este último, para negar a revista, considerou que a alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP restringe a possibilidade de atribuição de indemnização, por danos decorrentes de prisão preventiva sofrida pelo arguido, aos casos em que se comprove positivamente que o mesmo não foi o agente do crime ou que atuou justificadamente. Segundo a interpretação que fez de tal preceito, e considerando a matéria de facto dada por assente, entendeu o tribunal recorrido que, para adquirir o direito à indemnização nele previsto, não basta invocar uma sentença absolutória baseada na aplicação do princípio in dubio pro reo , isto é, uma sentença que não dê positivamente como provado que o arguido não foi o agente do crime ou que atuou justificadamente. Assumindo este entendimento, e uma vez que foi dado como não provado no saneador-sentença aquilo que o autor, ora recorrente, alegara – ou seja, que a sua absolvição criminal resultou da demonstração de que não praticara os factos de que vinha acusado –, juízo de facto que também não foi impugnado, o tribunal a quo concluiu pelo não preenchimento do fundamento previsto na referida alínea c) e pela consequente improcedência do pedido (cfr., de novo, o excerto transcrito supra no n.º 1). Assim, o critério normativo enunciado pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso foi efetivamente convocado na deci- são recorrida como fundamento decisivo para a solução do caso. Verifica-se igualmente, conforme já exposto, que, nas alegações do recurso dirigido ao Supremo Tribu- nal de Justiça, o recorrente, apesar de defender que, no caso, houve comprovação positiva da sua inocên- cia, suscita uma questão de constitucionalidade quanto à mencionada interpretação restritiva, acautelando entendimento diverso relativamente à matéria de facto dada como provada na decisão da primeira instância, assim antecipando o critério normativo que veio efetivamente a ser adotado.
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