TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

280 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL absolvida, não se protege a sua reputação nem o modo como ela é vista pela comunidade, tornando a mencionada presunção, numa larga medida, teórica e ilusória e, portanto, ineficaz. XVIII - Considerando o parâmetro da presunção de inocência, o artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, na interpretação normativa ora sindicada, desqualifica, para efeitos de atribuição de indemnização por danos sofridos em consequência de privação da liberdade decretada judicialmente em conformidade com a Constituição e com a lei, a decisão de absolvição fundada no princípio in dubio pro reo face à sentença absolutória em que se dê como provado que o arguido não foi agente do crime ou atuou injustificadamente; contudo, de acordo com a garantia da presunção de inocência consagrada no arti- go 32.º, n.º 2, da Constituição, interpretada de acordo com a jurisprudência do TEDH por forma a acautelar o standard mínimo de proteção em matéria de direitos fundamentais, a parte dispositiva de uma sentença absolutória deve ser respeitada por todas as autoridades públicas – legislador, juiz ou administrador – que se pronunciem, de maneira direta ou incidental, sobre a responsabilidade penal do interessado; a exigência normativa de que o arguido absolvido com base no princípio in dubio pro reo , para efeitos de lhe ser atribuída uma indemnização por prisão preventiva imposta no âmbito do processo criminal, prove positiva e adicionalmente à decisão absolutória a sua inocência, sob pena de não o logrando fazer tal indemnização lhe ser recusada como se a sua culpabilidade ainda pudesse ser admitida, é incompatível com aquela garantia constitucional; a responsabilidade penal do arguido, uma vez afastada por via da absolvição, mesmo que apenas fundada na presunção de inocência, não pode voltar a ser considerada num processo ulterior, ainda que a título de mera possibilidade. Acordam na 2. ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, intentou ação de processo comum contra o Estado Português pedindo, com base no disposto no artigo 225.º, n.º 1, do Código de Pro- cesso Penal (“CPP”), a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos em conse- quência da medida de coação de prisão preventiva a que foi sujeito durante mais de dez meses. Com efeito, no âmbito do primeiro interrogatório judicial em inquérito, ocorrido em 17 de julho de 2015, foi aplicada ao ora recorrente a referida medida de coação – de que recorreu, mas sem êxito –, tendo-se mantido nessa situação até 3 de junho de 2016, data em que foi absolvido da prática de doze crimes de violação agravada, de que havia sido acusado, e determinado que fosse colocado em liberdade. A ação foi julgada improcedente em 21 de fevereiro de 2017, por falta de fundamento legal – a ausên- cia de prévia revogação da decisão danosa, conforme exigido pelo artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Res- ponsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (“RCEEP”), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Mais se referiu na fundamentação de tal decisão que o disposto no artigo 225.º, n.º 1, do CPP, invocado pelo autor, não seria aplicável, dado que o «arguido /aqui A. não logrou provar a sua inocência». Inconformado, o ora recorrente interpôs recurso de revista per saltum para o Supremo Tribunal de Jus- tiça, defendendo: (i) que à sua pretensão indemnizatória não é aplicável o mencionado artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP, mas apenas o artigo 225.º do CPP; e (ii) que comprovou no processo o preenchimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP. Por acórdão de 4 de julho de 2017, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista.

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