TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
279 acórdão n.º 284/20 XV - Nem o artigo 6.º, § 2, da CEDH nem qualquer outra disposição da mesma concedem um direito a indemnização por privação da liberdade regular a que se siga a não prossecução da ação penal ou uma absolvição, não constituindo a recusa de indemnização, por si só, uma violação da presunção de inocência; o que está em causa é tão-somente avaliar se, na ação de indemnização subsequente à absolvição criminal, se exprimem suspeitas ou dúvidas quanto à inocência daquele que foi absol- vido; o TEDH sublinha que a necessidade de respeitar a absolvição criminal (ou a decisão de não prosseguir com a ação penal) no âmbito da ação de indemnização não obsta à responsabilidade civil do lesante por força dos mesmos factos em causa no processo criminal, mas apreciados na base de critérios de prova menos exigentes do que os observados no direito processual penal, contudo, se a decisão da ação cível contiver uma declaração imputando uma responsabilidade penal ao arguido no anterior processo criminal, tal colocará a questão no âmbito de aplicação do artigo 6.º, § 2, da CEDH; por outro lado, a jurisprudência constante do TEDH afirma que, por força do princípio in dubio pro reo , o qual constitui uma expressão particular do princípio da presunção de inocência, não deve existir nenhuma diferença qualitativa entre uma absolvição por falta de provas e uma absolvição resultante da comprovação positiva da inocência. XVI - A verificação de que a absolvição no processo criminal se ficou a dever a falta de provas e, portanto, à aplicação da presunção de inocência enquanto regra sobre a apreciação da prova, conduz inexo- ravelmente a dar como não provada a inocência do interessado no âmbito da ação indemnizatória; a presunção de inocência determinante da absolvição criminal com base no princípio in dubio pro reo é pura e simplesmente desconsiderada para efeitos de apuramento do direito à indemnização: invertendo os termos em que a questão se colocou no processo criminal, na ação de indemnização, é o anterior arguido que tem de provar a sua inocência quanto ao crime já apreciado no primeiro processo; à luz da lei, designadamente do artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, a presunção de inocência, servindo embora para excluir a responsabilidade penal do arguido, não chega para fun- damentar a responsabilidade civil do Estado em consequência da privação da liberdade de alguém que é inocente dos crimes de que se suspeitou que tivesse praticado, e a razão de tal insuficiência é a subsistência da suspeita quanto à culpabilidade do interessado, mesmo para além da absolvição cri- minal: o arguido não é inocente para efeitos de lhe poder ser atribuída uma indemnização, uma vez que, não se encontrando positivamente provada a sua inocência quanto ao crime de que foi acusado, pode tê-lo praticado e só não foi condenado por falta de provas, isto é, em razão do princípio in dubio pro reo , assim, a absolvição criminal não elimina a relevância pro futuro de tal possibilidade e, consequentemente, a mesma pode funcionar como pressuposto negativo do direito à indemnização, e o arguido que foi privado da sua liberdade por se suspeitar que cometeu um crime grave, mesmo depois de absolvido, continua a sofrer as consequências de tal suspeita, visto que é impedido de ser ressarcido dos danos causados pela privação da liberdade em razão de se continuar a admitir que ele pode mesmo ter cometido o crime em causa, não permitindo a dúvida ou incerteza quanto à inocên- cia o afastamento total, mesmo depois da absolvição, da suspeita de culpabilidade. XVII – Este entendimento não é compatível com a garantia da presunção de inocência constitucionalmente prevista; a exigência de que alguém absolvido num processo criminal com base no princípio in dubio pro reo ainda tenha de provar a sua inocência levanta necessariamente dúvidas sobre se essa pessoa afinal não é culpada do crime de que foi acusada; tais dúvidas, porque formalizadas desde logo na própria lei, exprimem implicitamente uma suspeita pública quanto à inocência dessa pessoa – algo que, depois da absolvição criminal definitiva, não é compatível com a presunção de inocência, na sua dimensão extraprocessual, uma vez que, ao deixar-se pairar a incerteza quanto à inocência da pessoa
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