TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

278 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XI - Considerando a caraterização da intenção do legislador e da finalidade da indemnização criada com a Lei n.º 48/2007, não se compreende a opção pela exclusão de certos cidadãos do âmbito subjetivo de uma medida que visa compensar os danos sofridos em virtude da privação preventiva da liberdade (ainda que legítima), em função de factos e escolhas a que o indemnizado pode ser completamente alheio, e que dependem quer do desenrolar do processo penal e da prova produzida em julgamento (que compete, desde logo, ao Ministério Público, e não ao arguido), quer da convicção do juiz e das razões que este eleja para fundamentar a sua decisão; não se vê como as circunstâncias concretas que conduzem à constatação da inocência do arguido possam fazer decair o propósito da indemnização por prisão preventiva, posto que em nada influem no sacrifício que naturalmente decorreu da privação de liberdade. XII - Não sendo a diferenciação operada pelo legislador justificada à luz da razão de ser do regime indem- nizatório, poder-se-ia ainda indagar acerca da existência de outros fundamentos político-legislativos passíveis de fundamentar uma distinção como a que decorre da norma questionada, como o querer o legislado assegurar-se, com o máximo grau de certeza possível, da verificação efetiva do facto indem- nizável; todavia, esta explicação não afasta cabalmente a qualificação da diferenciação em causa como arbitrária, uma vez que o pressuposto da indemnização, o dano que lhe dá origem, consiste no sacri- fício sofrido em virtude do período de privação da liberdade a que o arguido foi submetido a título preventivo; os diferentes fundamentos da sentença absolutória também não constituem um indicador de que o arguido tenha dado, total ou parcialmente, origem ao dano sofrido, em virtude do seu com- portamento antes do processo penal, ou no seu decurso. XIII - A mobilização do princípio da presunção de inocência – e não da convicção do julgador acerca da inocência efetiva do arguido – enquanto parâmetro decisório, para efeitos de atribuição da indem- nização, equivale a erigir em pressuposto do direito ao ressarcimento do dano sofrido em virtude da prisão preventiva a prova, efetiva, da inocência do arguido; ainda que tal inocência se verificasse, indubitavelmente, no plano da verdade dos factos, pode ser impossível a sua comprovação no plano da verdade do processo, afigurando-se esta exigência como desproporcional, ponderados os direitos e valores jurídico-constitucionais que justificam a indemnização; a diferença de tratamento entre argui- dos absolvidos ao abrigo do princípio in dubio pro reo e os que são absolvidos em virtude da prova da respetiva inocência ou da existência de causas de justificação, que resulta da norma questionada, afigura-se arbitrária e desrazoável, sendo, por isso, violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. XIV - Idêntico juízo de inconstitucionalidade pode ser alcançado à luz do princípio da presunção de inocên- cia, que também constitui parâmetro mobilizável no juízo sobre a presente questão de inconstitucio- nalidade; é conhecida a articulação do princípio da presunção de inocência com o princípio in dubio pro reo : relativamente aos factos relevantes para a decisão do processo criminal, o juiz deve pronunciar- -se de forma favorável ao arguido, sempre que ocorra um non liquet ou não supere a dúvida razoável quanto à prova dos mesmos; tal princípio encontra-se consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Consti- tuição, no entanto, além da projeção intraprocessual e interprocessual daquele princípio, entendido como norma de tratamento, cumpre considerar igualmente a sua necessária vertente extraprocessual – o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem entendido que, para assegurar que o direito consagrado no artigo 6.º, § 2, da Convenção seja concreto e efetivo, a presunção de inocência reveste necessariamente uma segunda dimensão, que vai além da sua relevância enquanto garantia processual.

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