TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
277 acórdão n.º 284/20 VII - Poderia questionar-se se a «ordem constitucional de valores», ou, porventura, a ideia de justiça dis- tributiva, fundada, não no artigo 22.º, mas antes num direito geral à reparação de bens, corolário do princípio do Estado de direito democrático ou na igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, não imporá a indemnização de todos os sacrifícios graves e individualizados impostos pelo Estado aos particulares por razões de interesse público, e, consequentemente, se a solução legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP, em vez de corresponder a uma opção livre do legislador, não será constitucionalmente devida, ainda que por força de outras exigências que não as decorren- tes do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição, o que obrigará a indagar se a razão de ser da imposição dos aludidos sacrifícios individualizados sofridos por quem é sujeito à prisão preventiva não exige um tratamento idêntico de todos os casos em que o juízo de prognose sobre a culpabilidade do arguido é infirmado por um juízo definitivo de absolvição, sendo por conseguinte ilegítimas distin- ções baseadas nos fundamentos de tal juízo. VIII - O artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP consagra o direito a uma indemnização por danos sofridos em consequência de prisão preventiva “regular” – ou seja, não contrária à Constituição nem à lei – desde que o interessado comprove a sua inocência, isto é, que não foi agente do crime ou atuou justificada- mente; na interpretação normativa ora sindicada, o interessado, caso tenha sido absolvido com base na presunção de inocência, não preenche aquele requisito, já que tal absolvição não é considerada suficiente para estabelecer positivamente a sua inocência, devendo o tribunal necessariamente analisar os termos da decisão penal absolutória, a fim de determinar se a mesma permite, ou não, dar como provada a inocência do autor que foi arguido no processo criminal anterior e que, nessa qualidade, sofreu uma medida de coação privativa da sua liberdade. IX - No concreto caso que nos ocupa, é necessário avaliar se a consagração do critério de fundamentação da absolvição como elemento constitutivo do direito à indemnização por prisão preventiva legal con- figura, ou não, uma diferença de tratamento arbitrária, devendo decidir-se se o facto de o legislador ter entendido não indemnizar os cidadãos privados – provisoriamente e em condições de cumprimento da lei –, da sua liberdade, em virtude de o processo no qual foram arguidos ter terminado com uma decisão de absolvição fundada no princípio in dubio pro reo , ao mesmo tempo que indemniza outros, sujeitos a idêntica privação, mas absolvidos com fundamentos distintos, vulnera o princípio constitu- cional da igualdade; devem, além disso, considerar-se as consequências jurídicas da distinção operada, cujos resultados não podem afigurar-se desproporcionados ou excessivamente gravosos – consubstan- ciando, sucintamente, uma diferenciação desrazoável. X - Numa análise preliminar, parece correto afirmar que o termo de comparação deve ser constituí- do pelos absolvidos em processo crime, já que todos se encontram em situação comparável, do ponto de vista do dano que a indemnização por prisão preventiva visa reparar; ao prever que a indemnização, em caso de prisão preventiva legal, só será atribuída ao arguido que, comprova- damente, não foi agente do crime ou atuou ao abrigo de uma causa de justificação, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal parece deslocar a ratio da medida da compensação pelo sacrifício da privação de liberdade para uma compensação pela dúvida em relação à inocência do arguido, sendo neste quadro que cabe questionar se as vicissitudes do processo penal poderão, de alguma forma, relevar, deslocando o termo de comparação da alegada relação de igualdade, aqui em valoração, em termos suscetíveis de objetivamente justificar a não comparabilidade das absolvições e das pretensões indemnizatórias, em função da fundamentação daquelas.
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