TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
276 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - Este Tribunal tem vindo a considerar que a restrição constitucionalmente admissível do direito à liberdade se localiza na lei prevista no artigo 27.º, n.º 3, da Constituição, e não na lei a que se reporta o n.º 5 do mesmo preceito, que prevê uma lei conformadora ou constitutiva: a mesma não restringe o conteúdo do direito ou da garantia constitucional em causa, podendo legitimamente prever «sistemas condicionadores da indemnização – e não de indemnização automática – por privação da liberdade», que possibilitem tomar em conta as diversas particularidades dos casos, com o limite quanto à não desfiguração e ao não esvaziamento do princípio da indemnização. IV - O artigo 27.º, n.º 5, da Constituição reporta-se imediatamente à própria decisão de impor (ou man- ter) a privação da liberdade, e não ao resultado do processo – à respetiva decisão final – no âmbito do qual a mesma foi decretada; a imposição (ou manutenção) da prisão preventiva implica, para além da observância dos pressupostos legais, um juízo de prognose quer quanto ao fumus comissi delicti , quer relativamente ao periculum libertatis , que envolve sempre o risco de não confirmação, que não implica, de per si, um erro, e muito menos um erro grosseiro, na avaliação da situação inicial, havendo que distinguir as situações em que a falta de justificação da privação da liberdade, apesar de apurada em momento posterior, maxime na sequência de um juízo absolutório, decorre de um vício da própria decisão que a determinou ou de um posterior desenvolvimento do processo; no primeiro caso, existe contrariedade à lei, no segundo, já não; uma prisão preventiva legal e devidamente fundamentada quanto aos respetivos pressupostos ex ante (isto é, no momento em que é determinada) – uma previsão preventiva “regular” – não passa a ser ilegal ou injustificada, em virtude de o arguido que a sofreu vir posteriormente a ser absolvido. V - Para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP, a demonstração da existência de uma priva- ção da liberdade injusta ou objetivamente injustificada faz-se sempre ex post , com base numa aprecia- ção incidente sobre dados que não foram considerados – nem tinham de o ser – no momento em que a privação da liberdade foi decretada, por isso, tal privação da liberdade foi “correta”, no sentido de não ter sido ilegal nem viciada nos respetivos pressupostos de facto, não sendo contrária à Constitui- ção nem contrária à lei (nem, tão pouco, à CEDH); esta solução significa que o legislador ordinário decidiu impor ao Estado, e já não ao cidadão, o risco do erro, revelado posteriormente nos termos daquela norma da alínea c) do artigo 225.º, n.º 1, do CPP, sobre a justificação da privação da liber- dade; ao fazê-lo, porém, o legislador não está a cumprir qualquer injunção constitucional decorrente do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição, pois, como reconhecido pela jurisprudência deste Tribunal, tal preceito não o impõe. VI - O que está em causa é a repartição solidária do sacrifício imposto para salvaguarda de bens funda- mentais como a eficácia da justiça penal, a segurança e a liberdade individual dos demais membros da comunidade, atribuindo uma indemnização ao indivíduo que esteve sujeito a prisão preventiva devido a um juízo provisório de culpabilidade, mas que, ex post , e por via da comprovação da sua inocência, não se confirma; a opção do legislador significa que o risco associado àquele juízo não deve correr exclusivamente por conta do indivíduo privado da liberdade a título cautelar, mas ser repartido por todos os membros da comunidade (enquanto dever estadual de indemnizar), uma vez e na medida em que são eles os beneficiários (a respetiva segurança e liberdade constituem a causa final) do sacrifício imposto àquele; trata-se de um problema de justiça nas relações entre os cidadãos e o Estado com conexões evidentes à exigência de igualdade perante os encargos públicos, que extravasa o preceito constitucional relativo à indemnização dos danos causados pela «privação da liberdade contra o dis- posto na Constituição e na lei».
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