TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
271 acórdão n.º 281/20 liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a impo- sição de ónus processuais às partes (cfr., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n. os 122/02 e 46/05). No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar- -se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e ss. e, entre outros, os Acórdãos n. os 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/08, 350/12, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional). […]” (itálico acrescentado). Ou, por outro ponto de vista, que, todavia, nos conduz a apreciação semelhante, afirmado no Acórdão n.º 325/06: “[…] Sabido que é que o processo penal apresenta natureza pública, cabendo, em primeira linha, ao Estado, por via de representação pelo Ministério Público, o exercício do jus puniendi , gizou a lei ordinária uma figura de inter- venção específica e acentuada nesse processo por banda dos ofendidos. Trata-se da figura do assistente, que aquela lei caracterizou como auxiliar ou colaborador da entidade promotora do processo criminal e relativamente à qual subordinou a respetiva atividade. Não deixou este Tribunal de vincar, mesmo antes da Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, que o direito do ofendido pela infração criminal se constituir assistente representava uma via de realizar a garantia do acesso à via judiciária desse ofendido (cfr. Acórdão n.º 690/98, publicado no Diário da República , II Série, de 8 de março de 1999). Simplesmente, então como agora (isto é, em face do que se prescreve no falado n.º 7 do artigo 32.º da Constituição, que remete para a lei ordinária os casos em que um tal direito pode ser exercido e os modos como esse exercício se leva a efeito), o direito do ofendido de constituir-se assistente não pode ser tido como irrestrito. A sua modelação e modos de exercício repousam nos termos a definir pela lei ordinária, pelo que a esta é, constitucionalmente, reconhecida ampla liberdade de conformação. Como anotam Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Tomo I, 361), aquela norma constitucional “não especifica o conteúdo do direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua densificação. O que a lei não pode é retirar ao ofendido, direta ou indiretamente, o direito de participar no processo que tenha por objeto a ofensa de que foi vítima”. Mister é, por isso e obviamente, que dessa liberdade não resulte uma constrição acentuada de forma a que, na prática, o direito constitucionalmente reconhecido se veja injustificada ou acentuadamente limitado, em termos de, na realidade das coisas, não poder ser exercido. Há, consequentemente, que aferir se a lei ordinária, na modelação que efetua, não vai «tocar» no núcleo do direito de intervenção do ofendido no processo criminal, por sorte a impedir ou limitar exacerba- damente a desejada intervenção. […]” (itálicos acrescentados).
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