TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

263 acórdão n.º 281/20 as restantes pessoas elencadas na alínea c) do n.º 1 do artigo 68.º, do Código de Processo Penal, a saber, “o côn- juge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes”, os quais não beneficiam, para estes efeitos, de qualquer proteção constitucional. 68. Assim sendo, porque o legislador constitucional ignorou estas pessoas em sede da chamada «constituição processual penal», cabe-nos tentar perceber se, ainda assim, se pode considerar que o estabelecimento da condição temporal plasmada na alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal ao exercício, por parte dos des- cendentes dos irmãos dos ofendidos, do direito à constituição como assistente, se revela suscetível de violar algum dos segmentos do disposto no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, normativo que consagra o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. 69. Todavia, para a boa análise do dissídio, não poderemos deixar de sindicar a natureza do direito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, cujo exercício pelo recorrente foi recusado com fundamento na alínea a) do n.º 3 do mesmo normativo. 70. Por se nos afigurar suficientemente relevante, entendemos que nos cabe apurar se tal direito à assunção da qualidade de assistente tem natureza originária ou se, pelo contrário, é um direito derivado que se pode transmitir da ofendida falecida para um seu sucessor, nomeadamente um descendente de um irmão, que adquire translativa- mente o direito que já vinha a ser exercido pela sua originária titular. 71. Se atentarmos na letra da lei, bem como na configuração normativa do artigo 68.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, dificilmente não concluiremos que o direito que, por força do disposto na sua alínea c), é reconhecido aos descen- dentes dos irmãos dos ofendidos falecidos tem uma natureza originária, condicionada ao falecimento destes e, bem assim, à sua não renúncia ao direito de queixa. 72. Ora, não se limitando a lei ordinária a reconhecer no direito dos descendentes dos irmãos dos ofendidos falecidos um direito derivado mas concebendo-o como um direito originário, compreende-se que estabeleça, como o faz no n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, inclusivamente para os ofendidos, não só os prazos a que deve obedecer o reque- rimento para a constituição de assistente como, para além disso, que imponha que tais prazos se compatibilizem com a dinâmica processual penal, adequando-os às distintas fases processuais e compatibilizando a intervenção dos particulares colaboradores do Ministério Público com as garantias de defesa dos arguidos asseguradas constitucionalmente, ainda que tais compressões condicionem a pretendida participação processual. 73. Com efeito, a eventual consagração do irrestrito e temporalmente ilimitado direito de um particular à cons- tituição como assistente sempre implicaria a constrição dos antagónicos direitos de defesa dos arguidos, direitos que se revelariam intoleravelmente comprimidos se a lei ordinária permitisse que a estabilidade processual, por um lado, e as metodologia e estratégia de defesa, por outro, pudessem ser perturbadas por uma intervenção extempo- rânea de um recente, mas autónomo, colaborador da acusação pública. 74. Assim sendo, se o direito de intervenção processual penal de descendentes de irmãos de ofendidos não se encontra consagrado constitucionalmente, não podemos, por um lado, considerar que a compressão do direito de requerer a constituição como assistente viole as garantias do processo criminal e não podemos, igualmente, por outro, admitir que ofenda o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, uma vez que, conforme já adiantámos, cabe ao legislador ordinário, dentro dos limites estabelecidos pelo princípio da proporcionalidade e pelos direitos do arguido, a competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a intervenção processual dos auxiliares do Ministério Público. 75. Neste contexto jurídico-constitucional optou o legislador infraconstitucional por, no confronto com as garantias constitucionais de defesa do arguido, comprimir temporalmente o direito de requerer a constituição como assistente a todas as pessoas com legitimidade para tal (as elencadas no n.º 1, do artigo 68.º, do Código de Processo Penal), em termos que se compatibilizam adequada, suficiente e proporcionalmente com os direitos pro- cessuais plasmados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito à presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado de condenação e, principalmente, o direito do arguido a “ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

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