TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

262 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 57. No essencial, o recorrente limita-se a discordar da solução legal impugnada e a considerar que a mesma ‘é impeditiva da proteção dos direitos que lhe assistem [como] sobrinho da falecida ofendida e de seu herdeiro’ e, por isso mesmo, lesiva do mencionado artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa. 58. Perante o quadro argumentativo acabado de esboçar, e procurando discernir o contexto jurídico-consti- tucional que compreende o objeto normativo do presente recurso, afigura-se-nos conveniente começar por tentar apreender qual a natureza e características, na nossa ordem jurídica, do estatuto processual penal do assistente e, fundamentalmente, qual a proteção que lhe é concedida pela Constituição. 59. Delineando, embora toscamente, o estatuto do assistente no campo processual penal, podemos afirmar que a figura do assistente é concebida pelo legislador ordinário, fundamentalmente, como a de um auxiliar do Ministério Público, embora dotado de “poderes próprios de conformação do processo penal como um todo”, nas palavras de Paulo de Sousa Mendes. 60. Aqui chegados, atentemos no conteúdo da chamada «constituição processual penal», estranhamente des- considerada pelo recorrente na sua douta argumentação, procurando vislumbrar qual a proteção concedida pelo legislador constitucional ao ofendido e ao assistente. 61. Em primeiro lugar, e conforme resulta, fundamentalmente, do disposto nos diversos números do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, constatamos que a chamada «constituição processual penal» visa, fundamentalmente, assegurar ao arguido todas as garantias de defesa perante a ação do sistema estadual de justiça, reconhecendo-lhe os direitos à presunção de inocência, ao recurso, à celeridade processual, à escolha e assistência por defensor e à intervenção no processo, entre outros, limitando-se a, no seu n.º 7, reconhecer e conferir ao ofen- dido o direito a intervir no processo penal, com sujeição a mediação da lei ordinária, e ignorando, totalmente, a figura do assistente. 62. Ora, no caso que nos ocupa, a norma cuja inconstitucionalidade é invocada – a contida na alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal – reporta-se, por via da sua conjugação com a alínea c) do n.º 1 do mesmo normativo –, ao prazo concedido, entre outros, aos descendentes dos irmãos dos ofendidos que tenham morrido sem renunciar à queixa e não ao concedido ao próprio ofendido ao qual, distintamente, faz menção a alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito. 63. Ou seja, se o legislador constitucional se limitou, no segmento material integrante da chamada «constitui- ção processual penal», por força da primordial necessidade de proteção do arguido perante o peso da ação estatal, a prever o mero direito de intervenção processual do ofendido – ainda assim, legalmente mediado –, já no que concerne ao assistente a Constituição não prevê, sequer, a sua existência. 64. Este passo lógico permite-nos, igualmente, apurar que a Constituição apenas garante, no âmbito da cha- mada «constituição processual penal», o direito de intervenção processual dos ofendidos, ou seja, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, dos ‘titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos’. 65. Ou seja, as restantes pessoas a quem a lei ordinária reconhece legitimidade para se constituírem assisten- tes, as enumeradas nas restantes alíneas do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, designadamente as elencadas na sua alínea c) , a saber, “o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime”, no caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, não têm a sua inter- venção processual penal garantida constitucionalmente. 66. Isto é, com base no disposto no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, normativo que esta- tui, especificamente, sobre as garantias do processo criminal, designadamente no prescrito no seu n.º 7, preceito aditado aquando da revisão constitucional de 1997, não resulta que o Texto Fundamental tenha reputado perti- nente mencionar a figura processual do assistente e, muito menos, garantir-lhe quaisquer direitos ou expectativas jurídicas. 67. O n.º 7 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa reconhece, assim, ao ofendido direitos concretizados, para além do mais, no legalmente consagrado estatuto de assistente, ao invés do que ocorre com

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