TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

260 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em boa verdade, 41. Ao longo de todo o processado, a ninguém ocorreu que a norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal pudesse ser interpretada nos termos em que o veio a ser, pelo Tribunal da Relação do Porto. 42. Nem se encontra jurisprudência anterior a fixar semelhante interpretação, que pudesse tornar exigível à mandatária do ora Recorrente antecipar-se a tal possibilidade interpretativa e, desde logo, nas conclusões de recurso para o Tribunal da Relação questionar a sua constitucionalidade. Com efeito, 43. Por muito esforço de imaginação que se fizesse sempre seria impossível fazer tal juízo de prognose desta interpretação da norma que importa um verdadeiro anacronismo. Deste modo, 44. A inconstitucionalidade aqui invocada, é suscitada no presente recurso ao abrigo da jurisprudência do Tri- bunal Constitucional que excecionalmente admite o recurso, dispensando o interessado de a ter suscitado durante o processo, até à decisão de que se recorre, por quanto não era exigível que o recorrente antevisse a possibilidade de aplicação da norma objeto deste recurso, nomeadamente com a interpretação adotada, nos termos em que o foi, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão, antes da decisão recorrida. […] Sintetizando: 1. O douto acórdão recorrido julgou extemporâneo o pedido de constituição como assistente, formulado pelo ora recorrente, imediatamente após a morte da primitiva assistente, de quem é sobrinho e herdeiro testamentário, com o argumento de que este pedido não foi formulado até cinco dias antes do início do debate instrutório. Sucede que, 2. Aquando do início do debate instrutório, o estatuto e a qualidade de assistente estavam conferidos à ofen- dida A., de quem o ora recorrente é sobrinho e sucessor. 3. A referida assistente faleceu em 27.03.2018, ou seja, entre a decisão de alteração de factos não substanciais e a decisão instrutória, de modo que o ora recorrente só adquiriu o direito a ser constituído assistente – na sua referida qualidade de sobrinho e herdeiro testamentário da primitiva assistente – depois de concluído o debate instrutório. 4. Sendo certo que esse direito decorre da morte da primeira assistente e se justifica pela necessidade de preen- cher a sua falta. 5. Tendo um manifesto caráter sucessório, razão pela qual nunca poderia ter sido exercido em momento ante- rior à morte da primitiva assistente. Ora, 6. A recusa do Tribunal da Relação em admitir que o ora recorrente sucedesse nos autos, como assistente, à falecida A., é impeditiva da proteção dos direitos que lhe assistem, nessa sua dupla qualidade, de sobrinho da fale- cida ofendida e de seu herdeiro. 7. Consubstanciando verdadeira denegação de justiça. Assim, 8. Pelas razões expostas, na interpretação que lhe dá o douto acórdão recorrido, a norma da alínea a) do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal tem de ser considerada inconstitucional por violação das normas do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 9. Por força do citado artigo 20.º, a norma da alínea a) , do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal não pode considerar-se aplicável, nos termos em que o foi, pelo douto acórdão recorrido, aos casos em que ocorre o falecimento de um assistente já admitido como tal e se pretende que as suas funções sejam assumidas, em sua substituição, por quem tem legitimidade para lhe suceder. 10. Pelo que a referida norma da alínea a) , do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, na inter- pretação preconizada no douto acórdão recorrido deve ser julgada inconstitucional.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=