TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

259 acórdão n.º 281/20 27. Na tese sustentada pelo Tribunal da Relação do Porto, a norma acima citada exclui a possibilidade de cons- tituição como assistente, decorrido o prazo nela consignado, daquele que só adquire legitimidade para se constituir como tal, em consequência da morte de quem tempestivamente havia requerido a sua constituição como assistente e fora admitido como tal. Assim, 28. A citada norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, com a interpretação descrita no ponto anterior (27), deve ser julgada inconstitucional, por violação do artigo 20.º da Constituição da República, na medida em que priva o herdeiro do acesso ao direito e aos Tribunais, apenas porque aquele a quem sucede se “atrasou a morrer”. 29. Na hipótese de falecimento de quem requereu a sua constituição como assistente, por ser o titular “dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação” e foi admitido como tal, por se lhe reconhecer essa titularidade e porque o requereu no prazo legal, sempre terá de ser legalmente reconhecido o direito de o seu sucessor ser igualmente admitido como assistente, em qualquer fase processual, aceitando o processo no estado em que este se encontrar, para com ele prosseguir, praticando todos os atos que considere indispensáveis à defesa dos seus direitos, enquanto sucessor do falecido assistente. Assim, 30. A norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal terá de se considerar incons- titucional, por recusar ao herdeiro de quem já fora constituído assistente em processo penal, a possibilidade de defender os seus interesses que a lei quis proteger com a incriminação, só porque passou a ser titular desses mesmos interesses apenas depois do debate instrutório, em virtude da morte do primitivo assistente a quem sucede. Anote-se que, 31. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 32. Sublinhando-se que, em nenhum momento, ao ora Recorrente foi possível antecipar a absurda – respeito- samente se diga – interpretação da norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, adotada pelo Tribunal da Relação do Porto. Na verdade, 33. Ao recorrente não era exigível que antevisse a possibilidade da interpretação da aludida norma no sentido de que devia ter-se constituído assistente ainda antes do falecimento da primitiva assistente, quando só adquiriu legitimidade para tal constituição em consequência de ter sucedido mortis causa à assistente A.. 34. Não sendo de nenhum modo previsível semelhante interpretação, não se lhe impunha o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade, antes da decisão recorrida. 35. Reconhecendo-se que o princípio geral é no sentido de que após, a prolação da decisão, já não é possível suscitar a questão da inconstitucionalidade, a verdade é que o caso dos autos excede o referido princípio atenta a sua natureza absolutamente anómala e enquadra-se dentro do conceito de decisão surpresa, que a Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem aceitado como exceção ao princípio da suscitação prévia. 36. Neste sentido conferir Conselheiro Guilherme da Fonseca e Dra. Inês Domingos, In “Breviário de Direito Processual Constitucional (recurso de constitucionalidade)”, 2ª Edição, pág. 54. 37. No mesmo sentido decidiu este Venerando Tribunal Constitucional, designadamente nos acórdãos 61/92, 188/93, 569/95, 596/96, 499/97, 642/99, 674/99, 124/00, 155/00, 192/00, 79/02 e 120/02. Com efeito, 38. O Recorrente apenas foi confrontado com esta anómala interpretação da norma em causa, na própria decisão recorrida. 39. Pelo que não dispôs de “oportunidade processual” para suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo , por não lhe ser exigível antever a possibilidade de semelhante interpretação. Aliás, 40. Nem o Recorrente, nem nenhum dos arguidos, nem os Senhores Magistrados do M.º P.º, ou os Magistra- dos Judiciais, nas diversas instâncias, previram a possibilidade de uma tal interpretação.

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