TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. Ao tempo do debate instrutório, a ofendida e primitiva assistente ainda estava viva. 9. O que sempre excluiria, então, a legitimidade do ora recorrente para intervir nos autos naquela qualidade, fosse como seu sobrinho, fosse como seu herdeiro e sucessor. 10. Já que a referida ofendida e assistente faleceu no decurso nos cerca de nove meses que mediaram a decisão de alterar os factos e a prolação da decisão instrutória – ou seja, nos mais de quinze meses decorridos entre o início do debate instrutório e a mencionada decisão. Assim, 11. Na perspetiva do douto acórdão em análise, só antecipando a morte da primitiva assistente poderia o ora recorrente assumir, naqueles autos, a defesa dos interesses e direitos que lhe cabem, na dupla qualidade de sobrinho e sucessor da primitiva ofendida. 12. Direitos e interesses que, inquestionavelmente, lhe conferem legitimidade para se constituir assistente. 13. É como se o Venerando Tribunal da Relação do Porto entendesse que a assistente inicial devia ter morrido até cinco dias antes do início do debate instrutório, para assim conferir ao seu sobrinho e herdeiro, ora recorrente, a possibilidade de defender os direitos de que decorre a sua legitimidade para as funções em causa. 14. Interpretação absurda que, manifestamente, a Lei não pode consentir. 15. A aplicação que o douto Tribunal Recorrido faz da citada norma da alínea a) , do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal teria todo o cabimento no caso de o requerimento de constituição de assistente do recor- rente não ter resultado do falecimento da assistente inicial e se destinar a permitir que o recorrente lhe suceda nas referidas qualidade e funções. 16. Mas já não quando o que se pretende é assegurar que a intervenção de uma assistente, legal, tempestiva e inquestionavelmente constituída como tal, seja continuada pelo seu legítimo sucessor – como é o caso. 17. O douto acórdão em apreço ignorou, pois, esse facto da maior relevância de que o ora requerente interveio nestes autos como sucessor de alguém que já havia sido, em tempo oportuno, admitida como assistente. 18. Já que, aos cinco dias que precederam a abertura do debate instrutório, estava constituída nos autos como assistente a pessoa que, então, detinha legitimidade para o efeito. 19. Como é óbvio, o ora recorrente só adquiriu legitimidade para se constituir assistente com o falecimento da primitiva assistente, sua tia, de quem é herdeiro e sucessor, mas sempre se terá de entender que ocupou, então, a posição processual da primitiva assistente, a quem sucedeu. 20. Sob pena de se fazer depender a possibilidade de o sucessor exercer a defesa dos seus legítimos interesses – daqueles mesmos interesses que a lei considera suficientemente relevantes para lhe reconhecer legitimidade para pedir a constituição como assistente – de um facto aleatório, que escapa completamente ao seu controlo, como é a data da morte da primitiva assistente. 21. O raciocínio subjacente à douta decisão em análise consubstancia um verdadeiro anacronismo, ao sustentar que o pedido de constituição de assistente pelo ora recorrente deveria ter sido formulado quando a assistente inicial ainda estava viva e no pleno exercício dessas funções. 22. A interpretação adotada não valoriza, pois, o facto de o ora requerente ter intervindo nos autos como sucessor da primitiva ofendida e assistente. 23. Tal interpretação recusa ao recorrente a possibilidade de exercer os seus direitos. 24. Consubstanciando verdadeira denegação, ao ora recorrente, do acesso ao Direito e aos Tribunais previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 25. Pelo que, na interpretação que lhe é dada no douto acórdão que antecede, a norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal sempre se terá de considerar inconstitucional, por violação do referido artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que aqui se invoca. Efetivamente, 26. A alínea a) , do n.º 3, do artigo 68.º do Código de Processo Penal dispõe que: “Os assistentes podem inter- vir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao Juiz [até] cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento”.
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