TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
255 acórdão n.º 281/20 20. Sob pena de se fazer depender a possibilidade de o sucessor exercer a defesa dos seus legítimos interesses – daqueles mesmos interesses que a lei considera suficientemente relevantes para lhe reconhecer legitimidade para pedir a constituição como assistente – de um facto aleatório, que escapa completamente ao seu controlo. Assim, 21. O raciocínio subjacente à douta decisão em análise consubstancia um verdadeiro anacronismo, ao sustentar que o pedido de constituição de assistente pelo ora recorrente deveria ter sido formulado quando a assistente inicial ainda estava viva e no pleno exercício dessas funções. 22. A interpretação adotada não valoriza, pois, o facto de o ora requerente ter intervindo nos autos como sucessor da primitiva ofendida e assistente. 23. Tal interpretação – intoleravelmente literal e simplista – recusa ao recorrente a possibilidade de exercer os seus direitos. 24. Consubstanciando verdadeira denegação, ao ora recorrente, do acesso ao Direito e aos Tribunais previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 25. Pelo que, na interpretação que lhe é dada no douto acórdão que antecede, a norma da alínea c) do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal sempre se terá de considerar inconstitucional, por violação do referido artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que aqui se invoca. Anote-se que, 26. O douto acórdão recorrido tem um fundamento diverso daqueles que foram invocados pelos arguidos no respetivo recurso. 27. Sendo certo que o ora recorrente em nenhum momento foi notificado – como, de resto, devia ter sido – para se pronunciar sobre este diverso fundamento em que o acórdão recorrido se sustenta. Deste modo, 28. A inconstitucionalidade aqui invocada, é suscitada no presente recurso ao abrigo da jurisprudência do Tri- bunal Constitucional que excecionalmente admite o recurso, dispensando o interessado de a ter suscitado durante o processo, até à decisão de que se recorre, por quanto não era exigível que o recorrente antevisse a possibilidade de aplicação da norma objeto deste recurso, nomeadamente com a interpretação adotada, nos termos em que o foi, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão, antes da decisão recorrida. Na verdade, 29. O ora recorrente não dispôs de qualquer oportunidade processual para suscitar, anteriormente, a incons- titucionalidade aqui em causa, quer pela forma inesperada como esta questão surge apenas no acórdão recorrido, quer pela forma ainda mais inesperada como ali é tratada. 30. Obviamente ninguém, com normal discernimento, poderia prever que o douto Tribunal da Relação viria a considerar extemporâneo o requerimento formulado pelo recorrente, com o argumento de que tal requerimento não foi formulado até cinco dias antes do início do debate instrutório. 31. Ignorando que ao tempo do debate instrutório – e até muito depois deste concluído – ainda era viva a primitiva ofendida e assistente. 32. E desvalorizando o facto de ora recorrente ter passado a ter interesse na lide, por sucessão da referida assis- tente e em sua substituição. Na verdade, 33. Só pelo inesperado desta situação é que se não suscitou, a inconstitucionalidade objeto deste recurso. Concluindo: 1. O douto acórdão recorrido julgou extemporâneo o pedido de constituição como assistente, formulado pelo ora recorrente, imediatamente após a morte da primitiva assistente, de quem é sobrinho e herdeiro testamentário, com o argumento de que este pedido não foi formulado até cinco dias antes do início do debate instrutório. Sucede que, 2. Aquando do início do debate instrutório, o estatuto e a qualidade de assistente estavam conferidos à ofen- dida A., de quem o ora recorrente é sucessor.
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