TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

241 acórdão n.º 270/20 Deste modo, o problema das chamadas “normas penais em branco” não pode ser transportado nos mesmos ter- mos do direito penal para o direito de mera ordenação social, já que nada na Constituição impede que, de acordo com o direito ordinário, quaisquer entidades administrativas competentes determinem o conteúdo de tais ilícitos e as respetivas sanções. É, no entanto, necessário ainda distinguir o plano das possíveis fontes normativas deste ilícito do plano da afetação da segurança e previsibilidade que certas técnicas legislativas possam suscitar. É sobretudo a esse nível que tem ainda sentido discutir a constitucionalidade das técnicas de remissão do conteúdo ilícito da lei que prevê a contraordenação para outras fontes normativas. Quanto a esta última questão, a resposta, que em geral cabe dar, é a de que o direito de mera ordenação social poderá ainda adequar-se ao essencial das exigências em sede de direito penal, nomeadamente de direito penal secundário, em que haja remissão para normas técnicas. E isto, sobretudo, no que se refere à necessidade de a norma do direito de mera ordenação social que define infração e a respetiva sanção ter de configurar o essencial do conteúdo do ilícito, isto é, referências que tornem compreensível para os destinatários os bens jurídicos em causa e o tipo de factos lesivos dos mesmos que a norma pretende evitar. Por outras palavras, uma norma remissiva ainda que no domínio do direito sancionatório público não pode ser vazia quanto à previsão de factos e à orientação da conduta dos seus destinatários. Se é exigível que, no direito penal estas exigências sejam intensificadas, sendo aí os critérios de previsibilidade e segurança mais precisos, no direito de mera ordenação social não deixa de existir uma necessidade de comunicação segura exante do conteúdo do ilícito aos seus possíveis autores (cf., sobre este problema no direito penal, o Acórdão n.º 427/95, de 6 de julho, publicado no D.R. , II Série, de 10 de novembro de 1995). Neste enquadramento jurídicoconstitucional, assegurarão as normas em crise as garantias de segurança e de controlo pelo destinatário que foram assinaladas? Ora, o artigo 211.º é uma norma que define claramente qual o dano que se pretende evitar – o prejuízo para o equilíbrio financeiro das instituições de crédito ou sociedades financeiras. O dano ou perigo da lesão desse equilíbrio é não só o motivo de proibição, mas o ponto de atração das condutas proibidas – as quais são, enfim, as adequadas ao efeito que se pretende evitar. Há, assim, uma certa configuração do resultado e da ação na conduta legalmente descrita como proibida. A remissão para os limites prudenciais determinados em norma geral pelo Ministro das Finanças ou pelo Banco de Portugal corresponde à necessidade de serem essas entidades, que dispõem de uma capacidade técnica superior relativamente à globalidade da atividade financeira e a correspondente responsabilidade relativamente aos prejuízos para a economia e para os direitos dos cidadãos, que emitam os concretos critérios que impeçam os resultados desvaliosos referidos. Assim sendo, a remissão para norma geral de origem regulamentar emitida por essas entidades dá uma infor- mação bastante que torna possível aos respetivos destinatários adequarem as suas condutas de forma a evitar o con- teúdo de desvalor da conduta proibida. Não existe neste sentido qualquer violação de princípios constitucionais relevantes neste domínio. Por outro lado, o facto de a previsão dos limites concretos ter sido feita por instrumento normativo diverso do previsto no artigo 211.º do diploma em causa não suscita qualquer específica questão no plano da constitucionali- dade. Na verdade, a Instrução do Banco de Portugal surge apenas com a concretização dos limites gerais aplicáveis às entidades reguladoras quanto às instituições pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, pre- vista no Aviso n.º 10/94. É um prolongamento regulamentar do Aviso, em atenção às características concretas do contexto financeiro destas instituições. O facto de o Aviso remeter para esta regulamentação cria apenas um dever de informação acres- cido que é inerente à atividade financeira, mas não aumenta especificamente as dificuldades de acesso prévio ao conteúdo do que é concretamente proibido, nem torna arbitrária a configuração típica concreta da atividade ilícita. Concluise, deste modo, que não se verifica qualquer violação de normas ou princípios constitucionais pelo artigo 211.º do RGICSF devido à sua configuração remissiva para uma concreta regulamentação.» Os argumentos aduzidos pelos recorrentes não abalam o entendimento de que o conteúdo prescritivo da norma aqui em causa é suficientemente determinado para o desempenho da sua função de orientar condutas humanas, não contendo as normas chamadas a completar esse conteúdo (nomeadamente, as decorrentes

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