TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a de que isso não seria necessário, desde que tal enumeração de facto constasse da fundamentação, o que se considerou ser o caso. As questões do recorrente não exprimem, pois, um verdadeiro problema de desconfor- midade potencial entre uma norma de direito ordinário e Constituição, mas uma discordância com a decisão recorrida em si mesma considerada – a qual, conforme já aqui se referiu, não pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional.» Mais se notou, a título incidental ou reflexo – o que ora se reafirma –, que esta mesma razão vem dar acrescida força à conclusão de que as questões acima transcritas sob os itens (ii) e (iii) nunca pode- riam ter respaldo suficiente na decisão recorrida como ratio decidendi : «uma vez firmado o entendimento de que os factos dados como provados constavam já da fundamentação da decisão recorrida, nunca o tribunal poderia considerar aplicável o regime da alteração não substancial nem o regime da alteração substancial dos factos, regulados respetivamente nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, cuja aplicação, aliás, o tribunal recorrido afasta expressa e detalhadamente (por exemplo, nas pp. 831, 834 e seguintes e 843 e seguintes da sua decisão).» E ainda: «Acresce que, em rigor, o preceito que o tribunal recorrido aplicou nem foi o n.º 2 do artigo 374.º deste diploma, mas sim o preceito equivalente da RGCO: o seu artigo 58.º (cfr. a p. 827 e, de modo ainda mais explícito, a p. 842 da decisão recorrida), do qual seria ainda mais difícil extrair uma interpretação nos termos da qual da decisão que aplique a coima tem de constar uma lista de factos provados e não provados com as específicas características pretendidas pelo recorrente.» Analisada a reclamação, este entendimento não resulta beliscado, em termos idênticos aos já sustentados – embora com nuances – no precedente pontos 15. Quer dizer: a decisão recorrida corre inequivocamente no sentido da não verificação do referido elemento do «desfavor» para o arguido (o qual seria indispensável para que pudesse considerar-se preenchido, em relação a esta questão, o pressuposto da ratio decidendi ), sendo que, perante os elementos emergentes dos autos, o único exercício capaz de conduzir a uma conclusão diferente seria o de o Tribunal Constitucional substituir agora uma sua própria leitura desse estrito problema de direito ordinário à leitura que foi abertamente acolhida pelo tribunal a quo. Por razões abundantemente expostas e consabidas, isso não pode ocorrer. Por fim, notou-se na Decisão Sumária reclamada que: «à semelhança do que se verifica no outro recurso de constitucionalidade aqui em apreço, e como o próprio recorrente reconhece, esta questão não foi susci- tada de modo prévio perante o tribunal recorrido. Não pode, no entanto, considerar-se que a interpretação normativa feita por esse tribunal se tenha apresentado como uma decisão surpresa, no sentido de que não podia objetivamente exigir-se ao recorrente que antecipasse a sua aplicação na decisão a proferir. De facto, tendo em conta o próprio recurso interposto pelo recorrente para o tribunal a quo (na parte conhecida a pp. 826 e seguintes da sua decisão), onde a questão é aflorada sem que contudo seja suscitada qualquer questão de constitucionalidade, não pode de modo algum considerar-se que tal entendimento do tribunal recorrido se tenha apresentado como imprevisível para o recorrente em termos de este poder e dever considerar-se dis- pensado, para efeitos do recurso agora em apreço, de ter suscitado previamente a sua inconstitucionalidade.» Ora, o recorrente também não logra impugnar este fundamento, o que só por si já impediria o conhecimento desta questão. A verdade, como é reconhecido pelo próprio recorrente, é que o mesmo abordou esta maté- ria numa perspetiva de estrito direito ordinário – mas especificamente no sentido de invocar a nulidade do entendimento já imanente à decisão de que então recorria para o Tribunal da Relação –, mas não a abordou numa perspetiva de constitucionalidade. Não é invocado qualquer argumento plausível para que isso não tenha ocorrido, sendo insuficiente a afirmação do recorrente segundo a qual o facto de o mesmo ter suscitado uma questão de ilegalidade «não torna exigível» a suscitação de uma questão de constitucionalidade. 18. O recorrente insurgiu-se, por fim, contra o «artigo 73.º, n.º 1 – alínea a) do RGCO, interpretado e aplicado no sentido (...) de que esta norma não permite ao arguido condenado em 1.ª instância (em multa superior a € 49,40 e sanção acessória), em sede do recurso da sentença final da 1.ª instância para a Relação, impugnar decisões interlocutórias proferidas pela 1.ª instância que afetem direitos essenciais de defesa e nulidades – maxime na vertente de arguição da ineficácia da prova na 1.ª instância e do direito à produção de prova testemunhal e documental suscitadas no recurso de impugnação judicial da decisão da entidade
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