TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
237 acórdão n.º 270/20 prova «que suportam este ou aquele facto». Ou seja, não se exige uma atribuição exaustiva das provas a todos e cada um dos factos que integram as listas de factos dados como provados e não provados, o que é bem distinto da interpretação atribuída pelo recorrente ao tribunal recorrido. Vem também o recorrente invocar que a especial complexidade deste processo o afasta do entendimento acolhido naquela jurisprudência (cfr. v. g. a p. 136 da reclamação). Aqui, porém, voltamos a resvalar na proi- bição de sindicância da decisão recorrida enquanto tal. O reclamante invoca, a este propósito, uma sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que – nas palavras do recorrente – «entendeu que a dedução de acusação pela autoridade administrativa com uma mera remissão genérica para a prova docu- mental, num processo menos complexo do que os presentes autos, gera a nulidade da Acusação e atos pro- cessuais subsequentes» (itálico nosso). Aliás, essa argumentação agora feita constar da reclamação em apreço encontra-se já em grande medida na motivação do recurso para o Tribunal da Relação (vide v. g. o ponto 89 das respetivas conclusões), o que só contribui para evidenciar a natureza não normativa dessa questão. Por tudo, não pode senão voltar a observar-se que, independentemente da razão que pudesse porventura assistir a um recorrente quanto a uma dada questão de direito ordinário, o Tribunal Constitucional não pode, sim- plesmente, impor a um tribunal judicial uma sua própria leitura dessa estrita questão de direito ordinário. 17. O recorrente veio ainda, sob as alíneas (p) , (q) e (r) do seu requerimento de recurso, invocar a inconstitucionalidade: (i) dos «artigos 379.º, n.º 1 – alínea c) , e 374.º, n.º 2, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, interpretados e aplicados pelo acórdão recorrido no sentido de que, em sede de recurso de impugnação judicial interposto pelo recorrente da decisão condenatória de entidade administrativa em processo de contraordenação, o tribunal de 1.ª Instância pode, em desfavor do arguido, incluir matéria nos “factos provados” que não constava dos elencos dos factos “provados / não provados” da decisão administra- tiva (mas noutros segmentos de subsunção jurídica), sem qualquer comunicação prévia ao arguido»; (ii) do «artigo 358.º, n.º 1, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, interpretado e aplicado pelo Acórdão recor- rido no sentido de que os factos provados nas decisões condenatórias proferidas pelas entidades administra- tivas nos processos de contraordenação não têm que constar do elenco dos ‘factos provados’ da decisão final da entidade administrativa, podendo a 1.ª Instância considerar, em sede judicial e em desfavor do arguido, como matéria de facto provada na sentença qualquer matéria da decisão que conste da decisão fora do elenco dos “factos provados” da decisão administrativa sem comunicação prévia do Tribunal ao arguido no recurso de impugnação judicial»; e (iii) do «artigo 359.º, n.º 1, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, interpretado e aplicado pelo acórdão recorrido no sentido de que os factos provados relativos ao elemento subjetivo do ilícito típico nas decisões condenatórias proferidas pelas entidades administrativas nos proces- sos de contraordenação não têm que constar do elenco dos “factos provados” da decisão final da entidade administrativa, podendo a 1.ª Instância considerar, em sede judicial e em desfavor do arguido, como matéria de facto provada na sentença qualquer matéria da decisão que conste da decisão fora do elenco dos “factos provados” da decisão administrativa». Sustentou-se na Decisão Sumária reclamada que um elemento que logo sobressai das três formulações transcritas é o de que, para o recorrente, a não indicação de determinados factos na lista de factos provados e não provados comportou um «desfavor» para o arguido. Considerou-se, porém, que um tal elemento não encontra suporte na decisão recorrida como sua ratio decidendi , o que se fundamentou nos seguintes termos: «O arrazoamento aí desenvolvido pelo tribunal recorrido vai, antes e sempre, no sentido de que a não indi- cação de tais elementos naquele específico local da decisão do Banco de Portugal não comportou qualquer prejuízo para o arguido, visto que esses elementos se achavam presentes nesta decisão, ainda que noutros locais da mesma. Mais significativo, no entanto, é o facto de, uma vez mais, o recorrente procurar aqui extrair de certos preceitos de direito ordinário normas que dos mesmos se não podem extrair. Do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal decorre que a fundamentação contém uma enumeração dos factos dados como provados e não provados, mas não especifica que essa enumeração tenha de ser proporcionada de modo uno e contínuo num específico local da fundamentação. A interpretação do tribunal recorrido foi
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