TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL intervir por referência a “normas” que não constituem qualquer expressão possível do pensamento legislativo (vide ainda, entre outros, os Acórdãos n. os 367/94 e 106/99). Daí que este problema seja insuprível, em con- traste com o que acontece com o parâmetro constitucional cuja violação seja invocada: nada obsta a que este Tribunal empreenda oficiosamente a apreciação da norma no confronto com outros parâmetros, ao abrigo do princípio iura novit curia ínsito no artigo 79.º-C da LTC. Note-se apenas – relativamente ao que vem exposto nas páginas 6 e seguintes da reclamação – que, naturalmente, o referido conceito funcional de norma inclui, não apenas normas num sentido mais estrito, mas bem assim interpretações normativas. A razão pela qual na Decisão Sumária reclamada se entendeu que esta questão não poderia ser conhecida não foi essa, mas aquela, agora novamente explicitada, de que não há suporte bastante, nos preceitos indicados, para a norma em sentido amplo (no caso, uma interpretação normativa) em torno da qual a questão de constitucionalidade vem construída pelo recorrente. 12. Quanto à norma indicada na questão de constitucionalidade enunciada na alínea c) do requerimento de recurso, entendeu-se que a mesma não constituiu efetiva ratio decidendi da decisão recorrida. Trata-se do «artigo 211.º-l) do RGICSF, na redação vigente à data dos factos relevantes e no início do presente processo (30 de junho de 2014), interpretado e aplicado pelo Acórdão recorrido no sentido de que a contraordenação aí prevista não exige um nexo causal entre a conduta de gestão dolosa e o efeito “ruinoso” em detrimento dos depositantes, investidores e demais credores da instituição financeira». Considerou-se quanto a esta questão o seguinte na Decisão Sumária reclamada: «O recurso assenta, neste aspeto, numa premissa equívoca, qual seja a de que o tipo legal da contraordenação em apreço integra: por um lado, uma conduta “dolosa”; e, por outro, um resultado “ruinoso”. Tratar-se-ia, nesta visão das coisas, de uma infração de resultado, que em condições normais pressuporia a verificação de um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. É fundamentalmente outro, no entanto, o alcance do preceito em causa e, em consequência, o sentido do entendimento sobre ele acolhido na decisão recorrida. O que se previa na alínea l) do artigo 211.º do RGICSF, na redação vigente no momento da prática dos factos – correspondente à alínea k) do mesmo preceito, na redação presentemente vigente – eram «atos dolosos de gestão ruinosa». Ou seja, o adjetivo «ruinosa» qualifica a «gestão». Ele reporta-se, pois, à própria conduta; não a qualquer efeito supostamente previsto naquele tipo contraordenacional e cujo nexo com aquela gestão, compreendida como causa, fosse portanto neces- sário estabelecer. A razão pela qual o tribunal recorrido se considerou eximido de estabelecer um tal nexo é, pois, a de que logo à partida o tipo legal em questão não pressupunha qualquer resultado, configurando-se antes como um tipo legal de mera atividade. Este entendimento, de resto, é o que se acha abertamente plasmado na decisão recorrida, quando aí se afirma que, “estando em causa um ilícito de mera atividade e de perigo na modalidade de aptidão, isto é, uma infração de consumação antecipada dada a genérica aptidão que encerra de produção de perigo, toma-se inútil averiguar se dos atos de gestão idóneos a criar o perigo de afetação dos direitos dos investidores, acionistas e depositantes da instituição bancária, levados a cabo pelo Recorrente, decorreram em concreto prejuízos para aqueles”». O recorrente alega agora que a norma cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada era precisamente aquela segundo a qual a infração em causa se não configura como uma infração de resultado. No entanto, não foi essa a interpretação normativa que o recorrente fez constar do seu requerimento de interposição de recurso, sendo certo e pacífico que é este requerimento que fixa o objeto do recurso. A questão indicada pelo recorrente é lógica, normativa e metodologicamente subsequente àquela que foi efetivamente apreciada pelo tribunal recorrido, pelo que o recorrente não poderia sequer louvar-se de a questão por si colocada no recurso abranger essa outra questão. A título incidental, poderá ainda observar-se que a presente questão de constitucionalidade não se afigura, aliás, apresentar projeção bastante na decisão recorrida enquanto sua ratio decidendi , porquanto se entendeu aí que, em qualquer caso, não existirem dúvidas sobre o efeito lesivo das condutas em causa. Senão

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