TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
221 acórdão n.º 270/20 sede de recurso da decisão final uma nulidade processual insanável suscitada no âmbito de processo de contraorde- nação em momento prévio à prolação da sentença, configurando tal interpretação normativa, por um lado, «uma afetação desproporcionada do direito de defesa do arguido (...) garantido pelo n.º 10 do art. 32.º da Lei Funda- mental» e ainda uma afetação desproporcionada das exigências decorrentes de um processo equitativo, garantido pelo n.º 4 do art. 20.º da CRP, e que, ponderado o n.º 2 do. art. 18.º da CRP, devem conduzir à «efetivação de um juízo que, na prática, leve à concordância entre os valores da celeridade processual e do asseguramento das garantias de defesa quanto aos processos sancionatórios» [cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 265/01, proferido no Processo n.º 213/2001, Relator Bravo Serra, a fls.7]. (...) 2.ª) Inconstitucionalidade-surpresa do complexo normativo constituído pelos arts. 358.º ou 359.º do CPP ex vi art. 41.º do RGCO, art. 58° n° 1 do RGCO e art. 374.º n.º 2 do CPP ex vi art. 41.º do RGCO, por violação dos Princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da ideia de Estado de Direito consagrada no art. 2.º da CRP, e por violação também dos direitos de Defesa do arguido em processo contraordenacional, consagrados no art. 32.º n.º 10 da CRP, na vertente em que as garantias de defesa abrangem o direito do arguido a um julgamento, nos termos do art. 59.º e segs do RGCO, no qual sejam apreciados todos os factos considerados relevantes para a determinação da sua responsabilidade contraordenacional, sendo os preceitos constitucionais acima referidos conjugados ainda com o art. 18.º n.º 2 da mesma CRP. Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade do referido complexo normativo acima identificado, na interpretação normativa que dele fez o Tribunal da Relação de Lisboa segundo a qual não se verifica qualquer alteração de factos quando o Tribunal de 1ª instância faz constar da Matéria de Facto Provada na sentença factos que antes não constavam da enumeração dos factos imputados, feita pela Autoridade Administrativa na sua decisão condenatória, pelo que o Tribunal de 1ª instância pode fazê-lo sem ter de previamente fazer qualquer comunicação aos arguidos nos termos do art. 358.º, e muito menos ao abrigo do disposto no art. 359.º do CPP (cfr. fls. 668 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido). (...) 3.ª) Inconstitucionalidade do art. 210.º al. m) do RGICSF, conjugado com os arts. 18.º e 20.º do Aviso n.º 5/2008 do Banco de Portugal, por violação do Princípio da Igualdade de tratamento entre cidadãos – que impõe que se trate o igual igualmente e o desigual desigualmente, mas havendo uma proporção entre o tratamento desigual e a desigualdade de comportamentos –, consagrado no art. 13.º da Constituição e decorrente também do Princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2.º da CRP, na sua dimensão de Estado de Justiça, na interpretação normativa segundo a qual, estando em causa a reapreciação pelo Tribunal de 1ª instância da responsabilidade de parte dos membros de um órgão de administração de um Banco, à luz das referidas nor- mas previstas nos citados arts. 18.º e 20.º – que impõem deveres ao órgão de administração no seu conjunto e, portanto, necessariamente, a todos e a cada um dos administradores que o integram –, se pode desconsiderar e até eliminar sejam os factos julgados provados, sejam as sanções aplicadas, pela decisão administrativa condenatória, relativamente aos membros desse órgão de Administração que não impugnaram a decisão condenatória da Auto- ridade Administrativa. (...) 4ª.) Inconstitucionalidade-surpresa dos arts. 210.º al. m) do RGICSF e 18.º e 20.º do Aviso n.º 5/2008 do Banco de Portugal, conjugados com o art. 8.º do RGCO e art. 14.º do CP, aplicável ex vi art. 32.º do RGCO, por violação do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no art. 32.º n.º 2 da CRP, violação dos direitos de defesa do arguido em processo contraordenacional, previstos no art. 32.º n.º 10 da CRP, e ainda violação do direito que assiste ao arguido a ter um processo justo e equitativo, previsto no art. 20.º n.º 4 da CRP, na interpretação normativa feita pelo Acórdão recorrido segundo a qual o dolo é presumido a partir da prova dos factos que revelam a culpa em sentido lato (voluntariedade, liberdade e consciência da ilicitude), sem qualquer outro suporte factual, ou seja, sem que haja uma descrição dos concretos factos psicológicos em que se consubs- tancia o dolo (representação mental dos factos típicos e vontade do agente de ocorrência desses factos), dos quais o arguido não se pôde evidentemente defender.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=