TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
214 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL oportunidade para cumprir o ónus em causa, sendo o incumprimento sancionado em termos irremediáveis e defi- nitivos, privando o arguido de exercer o seu direito ao recurso. 14. A garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de ação judi- cial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4 do referido artigo 20.º, da Constituição. Como o Tribunal Constitucional assinalou no Acórdão n.º 620/13, da 2.ª Secção, ponto 2: «A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, neste sentido, Lopes do Rego, na ob. cit. , p. 846-849). Aliás o Tribunal Constitucional em situações semelhantes não tem deixado de intervir, recorrendo quer a este parâmetro constitucional quer ao princípio da proteção da confiança, imanente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como ocorreu nos Acórdãos n.º 431/02 e 213/12 (acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt ) .» A imposição de um ónus que não resulta claro perante a letra de lei, sendo por isso de difícil cumprimento pelas partes, cuja inobservância é a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o direito ao recurso, não respeita, com efeito, o processo justo. Note-se que, no domínio penal, onde nos movemos, o direito ao recurso tem especial proteção constitucional, como garantia de defesa, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. O Tribunal Constitucional já sublinhou que, em situações em que o não cumprimento, ou o cumprimento defeituoso, de certos ónus processuais pelo arguido é suscetível de implicar a perda definitiva de direitos ou a pre- clusão irremediável de faculdades processuais, se deveria equacionar a prévia formulação de convite ao arguido para suprimento da deficiência (cfr. os já citados Acórdão n.º 215/07, 2.ª Secção, ponto 2.4., e Acórdão n.º 485/08, 2.ª Secção, ponto 2.3.). Neste contexto, o Tribunal também já ressalvou que, «em geral, e tendo por parâmetro o direito a um processo equitativo, “não beneficia de tutela constitucional um genérico, irrestrito e ilimitado ‘direito’ das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de todas e quaisquer deficiências dos atos por elas praticados em juízo”, sendo certo que “o convite – que não tem que ser sucessivamente renovado ou reiterado – só tem sentido e justificação quando as deficiências notadas forem estritamente ‘formais’ ou de natu- reza secundária” e que “não será constitucionalmente exigível nos casos em que a deficiência formal se deva a um ‘erro manifestamente indesculpável do recorrente’” (Carlos Lopes Do Rego, “O direito de acesso aos tribunais na jurisprudência recente do Tribunal Constitucional”, em Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida , Coimbra, 2007, pp. 846847)» (cfr. Acórdão n.º 215/07, 2.ª Secção, ponto 2.4.). 15. Assim, transpondo as considerações constantes da jurisprudência citada do Tribunal Constitucional para a análise da solução normativa em apreciação teremos de concluir que cominar, sem mais, com o vício de nulidade, o ato de apresentação, tempestivo, através de correio eletrónico, do recurso, em sede de processo penal, se afigura desproporcionado. A desproporção não resulta propriamente da consequência (rejeição do recurso), mas sim do seu caráter ime- diato, com efeitos definitivos, sem intermediação de uma oportunidade de suprimento. Neste caso, o convite à apresentação do requerimento de recurso pela via considerada exigível configura uma medida de adequação do processado apta a suprir uma omissão estritamente formal, não comprometendo o equilíbrio de obrigações e direitos inerente a um processo justo e equitativo. Assim, diante da existência de alternativas válidas e adequadas, a imposição de uma consequência traduzida na desconsideração definitiva do requerimento de recurso, funda o juízo de desproporcionalidade da solução normativa que não admite aquele convite.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=