TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Acórdão n.º 413/10, que este «é o princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legis- lador ordinário na conformação das normas de processo, e embora ele tenha apoio textual expresso apenas nesse nº 4 do artigo 20.º da Constituição, verdade é que através da garantia do processo justo ou equitativo se cumprem também outros valores constitucionalmente relevantes, como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrentes do artigo 2º, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à “igualdade de armas”)». Resulta, assim, do acervo jurisprudencial citado, que o artigo 20.º da Lei Fundamental não impõe ao legisla- dor, que, como vimos, dispõe, nesta matéria, de uma larga margem de conformação, a previsão de um mecanismo processual votado à uniformização de jurisprudência no âmbito civil, designadamente para dirimir contradições de julgados dos Tribunais da Relação. Não obstante, tal não significa que o legislador não esteja sujeito, na modela- ção de um instituto jurídico com tal objetivo, a verificar padrões de razoabilidade, equidade e proporcionalidade. Com efeito, como se sustentou no Acórdão n.º 383/09 deste Tribunal, «mesmo onde não concretize imposições constitucionais de legislar, tendo optado por estabelecer um certo procedimento – na hipótese sob exame um procedimento finalisticamente orientado para prevenir divergências na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mediante a imposição de deveres (aos juízes da formação em que o conflito se preveja), a concessão de faculdades (às partes) e a atribuição de poderes (ao Presidente) para fazer intervir uma formação alargada de julga- mento – o legislador não pode fixar pressupostos processuais desnecessários, não adequados ou desproporcionados. Essa exigência de racionalidade na conformação dos meios processuais, ainda que constitucionalmente facultativos, encontra suporte constitucional no direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP)». Como se viu, a interpretação normativa que configura objeto do presente processo tem subjacente a intenção legislativa de reservar ao Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no âmbito do recurso para uniformização de jurisprudência das Relações, as questões jurídicas que se encontrem definitivamente decididas, afigurando-se, deste modo, que o critério normativo em causa encontra justificação numa política de descongestionamento do Supremo Tribunal de Justiça e de requalificação das suas funções, articulada com a ratio do específico recurso para uniformização de jurisprudência de acórdãos das Relações, que, como se plasmou na decisão recorrida, se dirige aos casos em que, apesar de se encontrarem preenchidos os pressupostos de revista nos termos gerais, é legalmente inadmissível o recurso ao terceiro grau de jurisdição, atento o tipo de ação ou procedimento a que respeitam. Na verdade, este tipo de recurso para uniformização de jurisprudência das Relações não se prende com a justiça do caso concreto, isto é, «não se destina a salvaguardar qualquer direito subjetivo do recorrente», o que decorre, à evidência, do facto de «nos casos em que se não verifica contradição de julgados, a decisão da Relação é irrecorrível». A ratio ultima deste recurso reside em «evitar a propagação do erro judiciário e eliminar a insegurança jurídica gerada por jurisprudência contraditória; o interesse do recorrente na reapreciação da questão de direito é, bem vistas as coisas, apenas o pretexto para desencadear um mecanismo de superação de contradições jurisprudenciais cuja função é tutelar aqueles interesses objetivos» (vide Acórdão n.º 253/18). Há, pois, que ter presente que, não obstante se atribuir, prioritariamente, ao Supremo Tribunal de Justiça a função de uniformizar jurisprudência, assim acautelando valores como a segurança e certeza jurídica e a igualdade de tratamento, que justificam «a consagração de mecanismos que visem contrariar ou atenuar os efeitos da instabi- lidade ou da incerteza interpretativa, evitando que questões idênticas possam ser dirimidas por diferentes juízes de modo diametralmente oposto» (vide, Abrantes Geraldes, «Uniformização de Jurisprudência cível«, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas , Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 621), tal não pode contribuir para congestionar e massificar a atividade de tal instância. Nesta conciliação de valores a acautelar é mister atender ao facto de que a Lei Fundamental não impõe que todas as questões sejam reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto dela não decorre um direito ao triplo grau de jurisdição nem tão pouco um direito ao recurso para uniformização de jurisprudência. Como se assinalou no já citado Acórdão n.º 383/09, «ainda que se considere possível retirar da Constituição, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da igualdade, a imposição ao legislador de um dever de consagrar medidas organizatórias e instrumentos processuais especificamente ordenados à prossecução do interesse da uniformização da jurisprudência, tratar-se-á sempre de uma exigência de proteção institucional objetiva da

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