TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Cabe, antes do mais, notar que resulta de tal discurso argumentativo que a recorrente labora num equí- voco que cumpre esclarecer. Diferentemente do que afirma a recorrente, o tribunal a quo não considerou que a admissibilidade do recurso interposto nos autos dependia da verificação da segunda exigência que enun- cia – a de que a decisão recorrida tenha conhecido do mérito da causa ou tenha posto termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos. Efetivamente, o ponto decisivo do juízo empreendido pelo tribunal a quo foi, antes, o de que, estando em causa decisão proferida pelo Tribunal da Relação que se debruçou sobre questões processuais, enquadrável na alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, a admissibilidade do recurso fundado na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do mesmo diploma depende da existência de previsão legal que impeça o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. A conclusão no sentido da inadmissibilidade do recurso interposto pela recorrente sustentou-se, pois, na inexistência dessa específica previsão legal, pelo que, é tendo em consideração tal esclarecimento, que, aliás, resulta expresso no critério normativo que se delimitou como objeto do recurso de constitucionalidade, que este Tribunal encetará a apreciação da sua conformidade com a Lei Fundamental. Por se revelar de inteira pertinência o que a propósito da invocada violação do acesso ao Direito, da tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo equitativo se escreveu no já referido Acórdão n.º 159/19, transcrevem-se os seus excertos mais relevantes, nesta matéria: «Apreciando, cumpre, desde logo, notar que, como recentemente se afirmou no Acórdão n.º 361/18, «o direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade». O referido aresto sustentou tal con- clusão na jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional quanto à densificação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, da qual destacou o Acórdão n.º 638/98, que, no que ora importa, dispõe do seguinte modo: «O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insu- ficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão cons- titucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência consti- tucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16, p. 505).
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