TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
195 acórdão n.º 263/20 que se pronuncie sobre decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo ou que, sem pôr termo ao processo, decida, por despacho saneador, do mérito da causa”. Já no sistema de recursos anterior à reforma de 2007, o artigo 721.º, n.º 1, do CPC, preceituava que “cabe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa”, tomando, assim, por referência, para a admissibilidade do recurso de revista, o conteúdo do acórdão proferido pela Relação, independentemente do sentido da decisão proferida em 1.ª instância. Na reforma de 2013, o setor dos recursos não sofreu alterações substanciais, tendo o legislador sido sensível ao facto de a reforma de 2007 estar ainda numa fase muito inicial, que “desaconselhava uma remodelação do quadro legal instituído” (vide Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII). Logo, o CPC de 2013 manteve presente os objetivos da reforma de 2007, designadamente, o de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se concretizou com o “aumento do valor das alçadas e as restrições específicas ao recurso de revista”, deste modo, permitindo “requalificar a função” de tal instância superior” (vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 14). Assim, tem sido apanágio das reformas legislativas operadas em matéria de recursos cíveis a compatibilização entre o direito ao recurso, que visa potenciar a segurança jurídica, e a necessidade de racionalizar, de modo equili- brado, a gestão dos meios humanos e materiais, atribuindo-se, sucessivamente, um caráter excecional à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, que se pretende reservado para as questões de maior merecimento jurídico». Neste ponto, o aresto que se vem de citar concluiu, também com pertinência para o presente caso, que «a limitação da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pressuposta pelo critério normativo em análise deve ser entendida à luz da ratio do recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC – que visa garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações em processos que, pela especialidade da matéria, não têm possibilidade de alcançar o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista por motivo estranho à alçada – conjugada com o objetivo de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se pre- tende reservado para a sua qualificada função de estabilização da interpretação e aplicação da lei, em ordem a garantir a unidade do direito, desiderato este que “merece tutela sob pena de os valores da segurança jurídica e da igualdade sofrerem intolerável erosão no momento da aplicação da lei pelos tribunais” (vide o Acórdão n.º 383/09 [….])» (itálico nosso). Tendo-se aqui deixado patente a teleologia que subjaz à previsão legal do recurso de revista com base em oposição de julgados das Relações, é momento de perscrutar a argumentação da recorrente votada a demons- trar a inconstitucionalidade da interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso. • O acesso ao Direito, a tutela jurisdicional efetiva e o direito a um processo equitativo 8. A recorrente começa por assacar ao critério normativo alcançado pelo tribunal a quo a violação da garantia do acesso ao Direito e aos tribunais, bem como à tutela jurisdicional efetiva e, ainda, ao direito a um processo equitativo. A estrutura argumentativa da recorrente, a este respeito, centra o vício imputado ao critério normativo erigido como objeto do recurso na modelação, por parte do legislador, no âmbito do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para dilucidar divergências jurisprudenciais das Relações, de uma restrição que decorre da «exigência de que o acórdão de que se recorre seja recorrível nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, e só não possa ser objeto de recurso por haver norma especial que exclua esse mesmo recurso». Defende a recorrente que do âmbito das restrições legais consagradas pelo legislador – que se traduzem no preenchimento dos requisitos gerais de recorribilidade relativos ao valor da causa e da sucumbência; na exigência de que a decisão recorrida tenha conhecido do mérito da causa ou tenha posto termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos e, por fim; na imposição de que exista norma especial que exclua o recurso de revista – somente questiona a validade constitucional da segunda e terceira restrições.
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