TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, considerando o quadro legal em que se insere, e a que já acima se fez desenvolvida referência, não se vê como a norma em análise possa desrespeitar qualquer dos testes em que se desdobra a aplicação do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido restrito). Note-se, em primeiro lugar, que a norma se mostra adequada e necessária a fazer valer o superior inte- resse da criança, designadamente quando este não coincida com o interesse dos pais. Como antes já se deixou salientado, é o interesse público na proteção dos menores contra os perigos a que a participação em atividades de natureza cultural, artística ou publicitária, como um programa de televisão, o pode expor que se visa acautelar. A existência deste perigo resulta indiciada pelo facto de quer a Convenção n.º 138 da OIT, sobre a idade mínima de admissão ao emprego, no seu artigo 8.º, quer a Diretiva 94/33/CE, no seu artigo 4.º [5.º], preverem a necessidade de um regime de autorização nestes casos. Um tal interesse público em acautelar o referido perigo apenas pode ser garantido através da intervenção de um terceiro imparcial (uma “autoridade competente para cada caso individual” na expressão da Diretiva 94/33/CE), incumbido de autorizar a participação do menor no programa, norteando a sua atuação exclusivamente pelo superior interesse da criança. Com referência à norma sindicada, atente-se que a autoridade competente – no caso a CPCJ – autoriza a participação do menor se a atividade, o tipo de participação e o correspondente número de horas por dia e por semana não prejudicarem a segurança, a saúde, o desenvolvimento físico, psíquico e moral, a educação e a formação do menor, além de dever respeitar o disposto nas demais disposições previstas na Lei n.º 105/2009 (cfr. o seu artigo 7.º, n.º 2). Não se vê que outra medida pudesse acautelar com o mesmo grau de eficácia aquele interesse. A solução alternativa apresentada pela recorrente, no sentido de impor às entidades promotoras do programa de televi- são em que participem menores que assegurem um acompanhamento destes por um psicólogo especializado independente em ordem a proteger os seus interesses não se compadece com o grau mínimo de cumprimento do dever do Estado de proteção das crianças estabelecido na Constituição. Essa alternativa condicionaria a intervenção da autoridade imparcial encarregue de fazer valer o superior interesse da criança – no caso, a CPCJ – ao entendimento do psicólogo assegurado pelas entidades promotoras. Por último, mas não menos relevante, a avaliação da conformidade desta norma com o princípio da proporcionalidade, decorrente do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, não pode ignorar que a participação do menor em espetáculos ou qualquer atividade de natureza cultural, artística ou publicitária a que se reporta a Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, representa uma exceção ao princípio geral da proibição do trabalho infantil igualmente consagrado na nossa Constituição, no artigo 69.º, n.º 3, que deve ser lido em conjugação com os deveres especiais do Estado de regular o trabalho do menos, quando este é legalmente admissível [artigo 59.º, n.º 2, alínea c) , da Constituição], e em consonância também com os diversos instrumentos internacionais que o Estado português subscreveu. A referida exceção, constitucionalmente permitida, expressando uma proibição relativa, remete para o legislador a definição dos seus precisos termos, desde que sejam respeitados os princípios constitucionais. E, sendo assim, uma vez que a participação do menor em programas/espetáculos televisivos representa um potencial perigo para o desen- volvimento integral da criança, impunha-se ao legislador a adoção de um especial cuidado na sua regulação, já que a proibição do trabalho dos menores prevista na Constituição constitui uma garantia das condições para o desenvolvimento integral da criança. Na norma em análise aquele cuidado foi cumprido pelo legisla- dor ao impor a intervenção da CPCJ para autorizar a participação no menor no programa de televisão, em conformidade com a Diretiva n.º 94/33/CE. Resta sublinhar, uma vez mais, que os pais não ficam inibidos de fazer valer o seu ponto de vista contra a decisão da CPCJ, no caso de não haver coincidência na avaliação do interesse da criança na participação do programa. Em caso de conflito, os tribunais terão sempre a última palavra, nos termos acautelados no artigo 11.º, o que reforça o juízo de não violação do princípio da proibição do excesso pela medida. Não existe, assim, evidência de a norma em análise violar o princípio da proporcionalidade. A regra nela contida não é desproporcionada face à proteção dos direitos e valores em causa.

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