TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - Embora a RAM possua competência legislativa própria para regular, no respetivo âmbito regional, matérias relativas aos serviços de transportes terrestes (e, nessa medida, adaptar o regime contido na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, às especificidades da Região), essa competência encontra-se condi- cionada pelo limite negativo decorrente do artigo 227.º, n.º 1, alíneas a) e b) , e do artigo 228.º, n.º 1, da Constituição, nos termos do qual são excluídas do âmbito da competência legislativa das Regiões Autónomas as matérias reservadas aos órgãos de soberania, nelas se incluindo a regulação de direitos, liberdades e garantias; a invocada inconstitucionalidade orgânica das normas em apreciação – por, alegadamente, implicarem uma restrição do direito à livre iniciativa económica privada previsto no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição (CRP), violando assim a reserva parlamentar em matéria de direi- tos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga –, tem pressuposta uma certa interpreta- ção das normas do Decreto, segundo a qual a RAM exige aos operadores de Transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE) e de plataforma eletrónica – na perspetiva do direito de acesso e exercício a uma atividade económica de índole privada com as características em causa – que não tenham nela a sua sede, a existência de um «estabelecimento efetivo e estável» na RAM como pressuposto do acesso e exercício (licenciamento) ou apenas exercício (averbamento) da atividade. IV - A expressão estabelecimento estável surgiu, evoluiu e adquiriu importância fulcral no direito internacio- nal tributário, a propósito da regulamentação de normas de repartição do poder tributário pelo Estado da fonte e pelo Estado da residência, com o fim de evitar a dupla tributação jurídica internacional; e quando não associado à repartição da tributação de rendimentos entre dois países diferentes, releva no direito interno dos países para efeito de tributação de entidades não residentes dos rendimentos neles obtidos; tendo em conta o princípio da unidade do Estado (artigo 6.º da CRP), a utilização de tal figura convoca este último sentido: definir a sujeição passiva tributária às situações em que os não residentes na RAM obtêm no território regional rendimentos ou nele realizam operações tributáveis. V - Neste sentido, o conceito de estabelecimento estável e as consequências tributárias decorrentes da sua existência têm que se encontrar na estrutura característica de cada espécie tributária; o conceito de estabelecimento estável para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) apresenta particularidades diferentes em cada imposto, pelo facto de se aplicarem a realidades diferentes (um sobre os rendimentos, outro sobre o consumo), terem matriz distinta (um nacional, outro harmonizado entre os Estados-membros da União Euro- peia) e sistemática normativa própria; em sede de IRC, o conceito encontra-se consagrado no artigo 5.º do Código do IRC; no que respeita ao IVA, encontra-se referenciado na Diretiva IVA 2006/112/ CE do Conselho, de 28 de novembro (alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro), nos seus artigos 44.º e 45.º, a respeito das regras de localização das prestações de servi- ços, estando os requisitos essenciais elencados nos artigos 10.º e 11.º do Regulamento de Execução n.º 283/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011. VI - Nada obsta a que a regra do “estabelecimento estável” possa ser operativa dentro do território português, quando determinada entidade com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável no Continente tenha atividade económica numa das Regiões Autónomas (ou vice-versa), desde que estas tenham capacidade tributária própria; o conceito de estabelecimento estável como “critério de conexão”, com o sentido dado pelo Modelo de Convenção da OCDE, datado de 1963, chegou a ser utilizado no âmbito das relações interterritoriais, tendo por fim evitar conflitos de tributação emergentes da pluralidade de espaços fiscais portugueses (artigos 1.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 579/70, de 24 de novembro); tal possibilidade deriva de
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