TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL medida que são menos restritivas daquele direito, sendo que a vantagem marginal que a solução adotada proporciona em termos de proteção daqueles fins não compensa o aumento de sacrifício dos mesmos. Vejamos, em primeiro lugar, se a norma em referência restringe excessivamente o direito fundamental dos pais a educar os seus filhos, consagrado no artigo 36.º, n.º 5, da Constituição, como sustenta a recor- rente, lembrando que um tal direito tem como correspetivo o dever de o Estado se limitar a uma intervenção mínima no seio familiar, em cooperação com os pais na educação dos filhos menores, e pressupondo que o interesse da criança está alinhado com o interesse dos pais, não lhe cabendo impor uma certa forma de educar. Desde já se adianta que esta argumentação não procede. Na verdade, a tese da recorrente assenta na restrição de um direito cuja verificação não se confirma. 20. O direito de os pais educarem os seus filhos é expressamente reconhecido na Constituição, mas não representa verdadeiramente um direito individual. De acordo com o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição, «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos». Trata-se, por conseguinte, de um “poder- -dever”, ou mais concretamente ainda, de poderes concedidos aos pais para serem exercidos no interesse dos filhos, no quadro das relações familiares que ente si estabelecem. Como é salientado por Vieira de Andrade, «Os direitos dos pais de educação dos filhos não são meras liberdades em face do Estado, representam, no seu conteúdo essencial, poderes sobre os filhos. Não são nesta dimensão rigorosamente direitos dos indiví- duos, mas poderes concedidos no quadro da autonomia familiar e estariam até fora da matéria dos direitos fundamentais se não fosse a intensidade pessoal que caracteriza a organização da família na vida social e que é recolhida no seu reconhecimento jurídico-constitucional. (…) [C]ompreende-se que os direitos concedidos aos pais dentro da família sejam acoplados com deveres quando tenham a natureza de poderes de pessoas sobre outras pessoas, exercidos no interesse destas últimas e não dos seus titulares» (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 6.ª edição, Almedina, 2019, p. 154, nota 354). Assim sendo, para que se verificasse uma restrição relevante daquele direito, seria necessário demonstrar que a norma afeta o interesse do filho, não bastando a compressão do poder de educar dos pais. Ora o que a norma visa é, pelo contrário, fazer valer o superior interesse dos filhos, mesmo naquelas situações limite em que este pode não coincidir totalmente com o interesse manifestado pelos seus progenitores. Na verdade, e diferentemente do que a recorrente parece pressupor, nem sempre o interesse da criança estará alinhado com o interesse dos pais. A norma em referência não desvirtua o primado dos pais na manutenção e educação dos filhos ou a prevalência da família na orientação do seu desenvolvimento. 21. No entanto, esta conclusão não significa uma ausência de controlo de constitucionalidade da opção legislativa em causa. A intervenção das instituições públicas no acompanhamento do menor deve ser reser- vada para os casos em que existe um risco sério de os pais não conseguirem corresponder às necessidades daquele. É subsidiária a função que os artigos 36.º, n.º 5, e 67.º, n.º 2, alínea c) , [da Constituição] atribuem à sociedade e ao Estado em relação ao desenvolvimento das crianças. No respeito por esta regra de subsidia- riedade, «as intervenções dos poderes públicos, não só estão estritamente vinculadas à prossecução dos inte- resses dos filhos, como também devem ser submetidas a um rigoroso crivo de proporcionalidade» (cfr. Rui Medeiros, anotação ao artigo 69.º, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 1384-1385). Assim, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso ainda é convocável por uma outra via, independentemente da restrição de um direito fundamental. O princípio da proporcionalidade pode ser aplicável ao caso, enquanto princípio geral de direito conformador dos atos do poder público, decorrente do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. Princípio esse que impõe que «a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjetivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para os fins legítimos concretos que cada um daqueles atos visam, bem como axiologicamente
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