TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
176 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 17. Entre outras situações igualmente previstas na lei, a criança ou o jovem está em perigo quando é obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento, está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamen- tos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional, assume comportamentos ou se entregue a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham por forma a remover a situação (artigo 3.º, n.º 2, da LPCJP). Como o Tribunal salientou no Acórdão n.º 382/17, da 2.ª Secção: «10. A Constituição dá um especial relevo à inserção da criança ou jovem num ambiente familiar normal ou à sua privação. O desvio da normalidade ou “anomalia” é, neste contexto, aferido apenas pela falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança, e não na perspetiva de um qualquer modelo normativo de família (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , cit., anotação III ao artigo 69.º, p. 871). O ambiente familiar normal concretiza-se na sujeição da criança ou jovem durante a sua menoridade ao exercício pleno das responsabilidades próprias dos seus progenitores (ou, eventualmente, daqueles que, como os adotantes, assumem legalmente posição jurídica similar), maxime quanto à manutenção e educação dos filhos (cfr. o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição), ainda que os progenitores não vivam em conjunto nem mantenham uma relação entre eles (caso em que as aludidas responsabilidades devem ser objeto de regulação, de acordo com a igualdade de direitos e deveres quanto à manutenção e educação dos filhos – vide o n.º 3 do mesmo artigo 36.º). Mas, como mencionado, a proteção do direito ao desenvolvimento integral da criança, designadamente por os pais não cumprirem os seus deveres fundamentais para com os filhos (cfr. os artigos 36.º, n.º 6, e 69.º, n.º 1, ambos da Constituição), pode impor a inibição de tais responsabilidades ou limitações mais ou menos severas ao seu exercício. Esta necessidade de proteção pressupõe, assim, um desvio relativamente ao ambiente familiar tido por desejável – e, nessa mesma medida, a privação de um ambiente familiar normal –, que é tanto maior, quanto maior for a limitação das aludidas responsabilidades dos pais relativamente aos seus filhos. Por ser assim, compreende-se a importante particularidade de o direito das crianças à proteção do seu desen- volvimento integral não ter por sujeito passivo apenas os poderes públicos, mas também a sociedade (cfr. o men- cionado artigo 69.º, n.º 1).» Anteriormente, pode ler-se ainda no mesmo Acórdão: «9. A maior densidade do referido direito à proteção das crianças, com vista ao seu desenvolvimento integral, resulta da respetiva associação ao direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Na verdade, aquele direito à proteção, além de pressupor o direito ao desenvolvimento da per- sonalidade, implica direitos a uma proteção do bem jurídico desenvolvimento da personalidade contra ameaças ou agressões provenientes de terceiros, incluindo os progenitores ou de contingências naturais – a que correspon- dem deveres de proteção «contra todas as formas de abandono, de discriminação e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições», conforme referido no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição – e a garantia de condições favoráveis à própria formação da personalidade. E é por causa desta segunda vertente – a que corresponde um dever geral de promoção do bem jurídico em causa – que o direito das crianças à proteção do seu desenvolvimento integral se reconduz a um «típico “direito social”, que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e concretização» (assim, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Consti- tuição… , cit., anotação I ao artigo 69.º, p. 869). Como refere Reis Novais: «[A] maior modificação implícita no advento do Estado social de Direito terá ocorrido através da complemen- tação dos tradicionais deveres de respeitar e proteger por um dever estatal geral de promover o acesso individual aos bens jusfundamentalmente protegidos, portanto, através da dedução constitucional de uma obrigação jurídica estatal de ajuda dos particulares a acederem a tais bens.
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