TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não, obviamente, de uma racionalidade aprioristicamente concebida, mas daquela racionalidade que está pre- sente na distribuição de competências constitucionais para prossecução das funções do Estado pelos diversos órgãos de soberania (“… a separação e interdependência estabelecidos na Constituição”), de modo que no binómio sepa- raçãointerdependência possa sobreviver o núcleo essencial das atribuições e responsabilidade constitucional de cada um deles. No essencial, o princípio significa “ordenação adequada de funções, proibição da confusão e da diluição dos nexos de imputação e responsabilidade” (Assunção Esteves, “Os limites do poder do Parlamento e o procedi- mento decisório da co-incineração”, in Estudos de Direito Constitucional , Coimbra, 2001, p. 17).» 15. Recordadas estas considerações gerais quanto ao alcance do princípio da separação de poderes, no presente recurso de constitucionalidade interessa, sobretudo, considerar a sua refração na garantia funda- mental de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos individuais e mais precisamente ainda na atribuição exclusiva aos tribunais da competência para exercer a atividade jurisdicional. Numa palavra, a reserva constitucional de jurisdição. A este respeito, cumpre notar, desde logo, que a norma em análise não veda o acesso aos tribunais – nem os impede de ter a última palavra na ponderação entre os direitos fundamentais conflituantes. Apenas se determina que a participação de menores em espetáculos ou em outras atividades de natureza cultural, artística ou publicitária – incluindo-se aí a participação em programas de televisão está dependente da prévia autorização prestada pelas CPCJ. É certo que estas entidades se integram no exercício da função adminis- trativa, e que desempenham funções complexas de balanceamento de direitos fundamentais e de tarefas do Estado quando emitem as suas decisões – como muitas outras entidades administrativas. Acontece que as deliberações da CPCJ são sindicáveis mediante a intervenção judicial prevista no artigo 11.º da LPCJP, o que significa que a decisão de indeferimento do pedido de autorização apresentado pela entidade promotora do programa proferida pela CPCJ pode ser impugnada em juízo, designadamente nos tribunais de família, o que afasta a tese da recorrente de violação da função jurisdicional. Com efeito, a Constituição não impõe que em todos os momentos em que possa estar em causa o exercício da função jurisdicional, tenha de ser um tribunal a dizer a primeira palavra. A reserva de jurisdição tem sentido fundamental apenas para as matérias com dignidade para integrarem o «núcleo de uma fun- ção estadual» (Cf. Jorge Miranda e Rui de Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, III, pp. 26-27). É possível distinguir, por isso, entre dois níveis de reservas de jurisdição, designadamente através do critério material das duas palavras adotado pelo Tribunal Constitucional (cfr., v. g. , Acórdão n.º 365/91, do Plenário): de um lado, uma reserva absoluta, do outro, uma reserva relativa. A reserva absoluta reporta-se às matérias em que aos tribunais são atribuídas não apenas a última palavra, mas desde logo também a primeira palavra, o que traduz um verdadeiro monopólio de juiz. Daí resulta, nessas matérias, a proibição constitucional do exercício da função jurisdicional por parte de outras autoridades. Por seu lado, no domínio da reserva relativa, a garantia da reserva de jurisdição assume o significado de direito a uma garantia de acesso à justiça e à tutela jurisdicional (artigo 20.º da Constituição), que se concretiza através do processo justo para defesa de posições jurídico-subjetivas, tanto em casos de litígio que oponham interesses particulares a decisões de outros poderes e autoridades públicas, como em casos de litígios entre particulares. Nessas áreas é tão só atribuído aos tribunais o monopólio de última palavra, no sentido de que em dado momento da apreciação de uma determinada situação – normalmente num momento subsequente à sua verificação – é assegurada a intervenção de um juiz. Ora, «o artigo 20.º não exige intervenção ou intervenção imediata de um tribunal quando se tenha que dispor sobre as relações e as situações recíprocas do Estado e dos cidadãos. (…). Necessário é que, quando seja afetado um direito, a última palavra caiba aos tribunais» (Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, 2.ª edição, Almedina, 2017, pp. 399-400). O juiz terá a primeira e última palavra naquele conjunto de situações especificamente previstas em preceitos da Constituição como os artigos. 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 33.º, n. os 2 e 6, 34.º, n.º 2, 36.º, n.º 6, 46.º, n.º 2 ou 113.º, n.º 7. Realce-se, em matéria de família e filiação, a imposição do monopólio do juiz

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