TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL criança ou jovem com 12 ou mais anos. A falta deste consentimento ou não oposição constitui motivo para intervenção judicial obrigatória [artigo 11.º, n.º 1, alínea c) , da LPCJP]. Note-se que, apesar de existir um organismo público encarregue da missão de contribuir para a planifi- cação da intervenção do Estado e para a coordenação, acompanhamento e avaliação da ação dos organismos públicos e da comunidade na promoção dos direitos das crianças – a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPCJ), nos termos dos artigos 30.º e seguintes da LPCJP – as deliberações da comissão restrita relativas à ponderação de uma situação concreta de perigo suscetíveis de aplicação de uma medida de promoção e proteção não estão sujeitas à apreciação ou confirmação da CNPCJ. A CNPCJ é uma pessoa coletiva de direito público que funcionando, embora, no âmbito do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tem autonomia administrativa e património próprio (artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 159/2015, de 10 de agosto). Certo é que as relações existentes entre a CNPCJ e as CPCJ não se caracterizam por uma relação de natureza administrativa hierárquica. c) Apreciação do mérito da questão de inconstitucionalidade 12. Enquadrada a norma em análise no contexto normativo internacional, europeu e nacional, é tempo de abordar as questões de constitucionalidade que a recorrente coloca. Apesar de concluir que as normas constitucionais violadas são as constantes dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 36.º, 37.º, 69.º, 110.º, 111.º, n.º 1 e 202.º da Constituição da República Portuguesa, os parâmetros cons- titucionais que a recorrente convoca para aferir da validade constitucional da norma ao longo da argumen- tação que expendeu nas suas alegações são o princípio da separação de poderes e os direitos fundamentais à liberdade de expressão e informação, bem como do direito dos pais a educar os seus filhos sem a intromissão do Estado na vida familiar. i) A invocada violação do princípio da separação de poderes 13. Na tese da recorrente, a interpretação normativa em causa consubstancia uma violação do princípio da separação de poderes, porquanto atribui a organismos administrativos integrados na administração do Estado um poder que corresponde materialmente ao exercício da função jurisdicional, atribuindo às CPCJ o poder de dirimir conflitos entre direitos fundamentais e de declarar o direito, o que constitui o núcleo essencial da função jurisdicional. De acordo com a argumentação expendida, a proteção de menores nas situações como a que desenca- deou os autos, realiza-se no contexto de um conflito, designadamente no confronto entre a realização do interesse do menor em obediência às normas consagradas no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição e o direito dos pais na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos prescrito no artigo 68.º, n.º 1, cabendo aos tribunais resolver o conflito entre a proteção dos interesses dos menores e os direitos dos pais a conformar os seus cuidados e a sua educação. A avaliação casuística sobre se essa participação afeta o direito fundamental ao desenvolvimento integral do menor, em ordem a concluir se deve prevalecer um dado interesse do menor, na perspetiva do Estado, ou se deve prevalecer o direito e a liberdade dos pais a conformar os cuidados do menor e a sua educação constitui função jurisdicional, por implicar dirimir conflitos entre normas fun- damentais e declarar o direito. Nesta medida, a interpretação normativa em análise ofende o princípio da separação de poderes, por atentar contra a dimensão material da função jurisdicional. Além disso, o poder de uma CPCJ impor decisões suscetíveis de implicar graves restrições de direitos fundamentais, ofende a dimensão clássica de garantia e de controlo do princípio da separação de poderes ao permitir a órgãos de administração tomar decisões que podem implicar graves restrições de direitos funda- mentais, uma vez que nos termos do artigo 202.º, n.º 2, da Constituição, cabe exclusivamente aos juízes o primeiro e último controlo do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

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