TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
163 acórdão n.º 262/20 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Ministério Público, em representação de menores, intentou contra a A., S.A., (A.) ora recorrente, a B., S.L., Sucursal Portugal, e os pais dos menores identificados, uma ação especial para tutela da personali- dade, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local Cível de Oeiras. Proferida a decisão em primeira instância, o Ministério Público interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que o julgou parcialmente procedente. A A., inconformada, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 30 de maio de 2019, negando provimento ao recurso de revista, confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e, em consequência, entre outros aspetos, decidiu determinar que as rés não possam exibir ou por qualquer modo divulgar o episódio 3 do programa em causa, sem que, previamente, comuniquem e solicitem autori- zação, e a obtenham, de participação dos menores no programa à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) competente e que a participação de menores em futuros episódios, independentemente de quem venham a ser, fique dependente da prévia comunicação e autorização da CPCJ a solicitar pela rés. Ainda inconformada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada por LTC). Através da Decisão Sumária n.º 873/19, que determinou o não conhecimento de cinco questões de constitucionalidade elencadas como objeto do recurso, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, os autos prosseguiram para alegações relativamente «às normas constantes dos artigos 2.º a 11.º da Lei n.º 105/2009, de [14] de setembro, interpretadas no sentido de que os menores apenas podem participar em programas de televisão após pedido e concessão de autorização pela CPCJ». 2. A recorrente formulou as suas alegações, apresentando as seguintes conclusões: «A. A interpretação normativa cuja conformidade constitucional se submete à apreciação do Tribunal é aquela segundo a qual as normas constantes dos artigos 2.º a 11.º da Lei n.º 105/2009 devem ser interpretadas no sentido de que os menores apenas podem participar em qualquer programa de televisão após pedido de con- cessão de autorização pela CPCJ territorialmente competente. B. A referida interpretação normativa consubstancia uma violação do princípio da separação de poderes, por- quanto atribui às CPCJ – organismos administrativos integrados na administração do Estado, aos quais cabe, nessa medida, o exercício da função administrativa – um poder que corresponde materialmente ao exercício da função jurisdicional. C. Da interpretação aqui em causa resulta a atribuição às CPCJ do poder de dirimir conflitos entre direitos fun- damentais e de declarar o direito, atuando, deste modo, no âmbito do núcleo essencial da função jurisdicional. D. No mais, admitir o poder de uma CPCJ impor decisões suscetíveis de implicar graves restrições de direitos fundamentais, ofende a dimensão clássica de garantia e de controlo do princípio da separação de poderes. E. A medida resultante da interpretação normativa adotada implica uma limitação desnecessária e desproporcio- nal dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e informação (em especial, dos operadores e produtores televisivos), bem como do direito dos pais a educar os seus filhos sem a intromissão do Estado na vida familiar. F. Existem medidas alternativas menos restritivas daqueles direitos e liberdade e que seriam igualmente aptas a proteger os fins da medida – no essencial, correspondentes à salvaguarda do interesse da criança e do seu nor- mal e são desenvolvimento -, sendo que a vantagem marginal que a solução adotada proporciona em termos de proteção daqueles fins não compensa o aumento de sacrifício daqueles direitos e liberdades.
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