TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pertencente à função jurisdicional” exige o monopólio de juiz; basta que se afirme outro interesse público a par da resolução jurídica da questão para nos depararmos com uma área de mera reserva relativa de jurisdição, que não poderá excluir a legitimidade constitucional da intervenção decisória da autoridade não jurisdicional para pacificação desse interesse público; a diferenciação entre reserva absoluta e relativa redunda, na prática, na verificação, ou não, da presença de interesse público alheio ao conflito estritamente jurídico. IV - Na norma em análise é patente o interesse público na intervenção da CPCJ para autorizar a partici- pação dos menores em programas de televisão; a Constituição reconhece as crianças como sujeitos de direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, preocupa-se com as situações de necessidade associadas à sua natural vulnerabilidade, reconhecendo-lhes um específico e próprio «direito à proteção da socie- dade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral», noção que deve ser aproximada da de “desenvolvimento da personalidade”, que assenta em dois pressupostos: por um lado, a garantia da dignidade da pessoa humana, elemento “estático”, mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado, a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades». V - Apesar de a Constituição reconhecer um papel fundamental à família no desenvolvimento das crian- ças – como resulta também da Convenção sobre os Direitos da Criança – não devem ignorar-se as muitas situações em que o comportamento (por ação ou omissão) dos pais, do representante legal ou de quem tenha a guarda de facto do menor põe em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento; num tal quadro, a promoção dos direitos e a proteção da criança e do jovem em perigo incumbe, subsidiariamente, às entidades com competência em matéria de infância e juventude, às CPCJ e, em última instância aos tribunais; as CPCJ, sendo entidades não judiciárias, com autono- mia funcional, atuam sujeitas ao dever de imparcialidade e independência, em promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem. VI - Nas situações a que se reporta a norma em análise, trata-se de prevenir perigos para o menor, por for- ma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, designadamente numa área de interesses em que pode surgir o conflito entre os interesses dos pais e a proteção do menor; a norma sindicada deve ser entendida no contexto de competência para a aplicação das medidas de promoção e proteção, que as CPCJ assumem conjuntamente com os tribunais – trata-se de prevenir os perigos decorrentes do exercício de uma atividade pelo menor, considerando a sua especial vulnerabilidade a circunstâncias que podem comprometer ou condicionar o seu processo de desenvolvimento, como decorre na Cons- tituição e do Direito Internacional que vincula a República Portuguesa, como a Convenção sobre os Direitos da Criança ou a Carta Social Europeia Revista; para o efeito, faz-se depender aquela partici- pação do menor de uma autorização prévia a conceder pela autoridade competente – como imposto pelo artigo 5.º da Diretiva n.º 94/33/CE (ou pelo artigo 8.º da Convenção n.º 138 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a idade mínima de admissão ao emprego) –, ficando, porém, sempre reservada aos tribunais a resolução dos conflitos que surjam entre a proteção dos interesses dos meno- res promovida pela CPCJ e os direitos dos pais a conformar os seus cuidados e a sua educação, o que acautela devidamente o princípio da separação de poderes e, em particular, a reserva constitucional do exercício da função jurisdicional pelos tribunais. VII - O direito de os pais educarem os seus filhos é expressamente reconhecido na Constituição, mas não representa verdadeiramente um direito individual, trata-se de um “poder-dever”, de poderes

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