TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
155 acórdão n.º 261/20 A ser válida a tese do recorrente, o legislador ver-se-ia obrigado pela Constituição a beneficiar o arguido por ter prosseguido a atividade criminosa, garantindo-lhe (por referência ao exemplo dos autos) que os factos praticados na vigência do RGIT deixariam de ser punidos por aplicação de regras (de prescrição ou outras) do RJIFNA, resultado substancialmente diverso daquele que o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição se destina a assegurar. Pretende o recorrente, de algum modo, o melhor de dois mundos: ver a realização plúrima do mesmo tipo de crime unificada como se de um só crime se tratasse (e trata, por ficção normativa) e preservar a auto- nomia dos crimes para efeitos de determinar o regime legal aplicável, em caso de sucessão de leis penais. A Constituição não garante, porém, tal resultado. O arguido só estaria protegido pelo n.º 4 do artigo 29.º da Constituição (voltando ao exemplo dos autos) se a conduta se tivesse verificado integralmente na vigência do RJIFNA – só aí se poderia legitimamente afirmar a surpresa decorrente da aplicação do RGIT. Não cabendo ao Tribunal Constitucional fixar a interpretação mais adequada do direito infraconstitu- cional, conclui-se que não se verifica a invocada violação do disposto nos n. os 1 e 4 do artigo 29.º da Cons- tituição. 2.3.5. Sublinha-se que a conclusão alcançada se encontra em perfeita sintonia com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) quanto à lei aplicável à punição dos ilícitos continuados. Na interpretação do artigo 7.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), nos termos do qual “[n]inguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi come- tida, não constituía infração, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida.”), aquele tribunal não deixou de considerar as especiais características das condutas continuadas. No acórdão de 21 de junho de 2013 ( Del Río Prada c. Espanha , queixa n.º 42750/09, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-127697) , expõem-se os princípios gerais que se extraem do artigo 7.º da CEDH (vide, também, o acórdão de 20 de outubro de 2015, Vasiliauskas c. Lithuania, queixa n.º 35343/05, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-158290 ): “[…] 1. Princípios decorrentes da jurisprudência do Tribunal (a) Nullum crimen, nulla poena sine lege 77. A garantia ínsita no artigo 7.º, que constitui um elemento essencial do Estado de direito, ocupa um lugar proeminente no sistema de proteção da Convenção […]. Deve ser concebida e aplicada, como decorre do seu objeto e do seu propósito, de modo a proporcionar uma salvaguarda efetiva contra perseguição, condenação e punição arbitrárias (v. S.W. c. Reino Unido , 22/11/1995, § 34, Série A n.º 335B; C.R. c. Reino Unido , 22/11/1995, § 32, Série A n.º 335-C; e Kafkaris , supracitado, § 137). […] 79. Os crimes e as correspondentes penas devem ser claramente estabelecidos por lei. (…) Este requisito cum- pre-se se e na medida em que o indivíduo consegue retirar da letra do preceito relevante […] que atos e omissões implicarão para si responsabilidade criminal, bem como a correspondente pena […]. 80. O Tribunal deve, pois, verificar se, à data da prática dos factos que conduziram à acusação e à condenação, estava em vigor uma disposição legal que punia esse ato e se a pena aplicada não excedeu os limites impostos por essa lei […]. […]” (tradução livre, pelo relator). No acórdão de 27 de janeiro de 2015 ( Rohlena c. República Checa , queixa n.º 59552/08, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-151051 ), o TEDH teceu as seguintes considerações sobre a aplicação daqueles princípios ao crime continuado:
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