TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL posição processual do arguido ou, em particular, numa limitação do seu direito de defesa (artigo 5.º, n.º 2, alínea a) [do DecretoLei n.º 78/87, na redação do DecretoLei n.º 387-E/87, de 29 de dezembro].” […]” (itálicos acrescentados). Consequentemente, “[…] a matéria tocante à prescrição do procedimento criminal não pode deixar de estar condicionada pelos limites de interpretação jurídica e de aplicação de leis no tempo que, no domínio do direito penal, são postulados pela normação constitucional” (Acórdão n.º 122/00, retomando a posição do Acórdão n.º 205/99). 2.3.4. Resulta do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição, em síntese, “[…] que a lei não pode aplicar a crimes anteriores penas mais graves […]. A razão de ser deste princípio básico da «constituição penal» tem a ver com a própria racionalidade e razoabilidade da censura penal, não fazendo nenhum sentido que alguém […] seja condenado por uma pena mais grave do que a que estava prevista no momento da prática do crime . Além do mais, trata-se de observar o princípio da confiança, que constitui uma das dimensões do Estado de direito […]” (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 495, itálico acrescentado). Ademais, por ser obrigatória a aplicação retroa- tiva da lei penal mais favorável, “[…] um crime passa a ser menos severamente punido do que era no momento da sua prática , se lei posterior o sancionar com pena mais leve” (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 496, itálico acrescentado). Assentam estas garantias, pois, numa ideia de previsibilidade (por sua vez enraizada no princípio da confiança) das normas, no sentido em que qualquer cidadão, para além de não poder ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data em que praticou os factos (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição). Este evidente sentido da norma constitucional basta para compreender que a Lei Fundamental não fornece qualquer sinal contrário à norma aplicada na decisão recorrida. Desde logo – e como vimos (item 2.1., supra ) – não resulta, pelo menos imediatamente, da norma objeto do recurso que exista um regime mais favorável vigente à data da prática de atos anteriores à vigência do RGIT. De todo o modo, ainda que se admita que esse desfavor (na construção argumentativa do recorrente) está implícito na desconsideração do regime anterior (no caso, o RJIFNA), a sua pretensão não será bem fundada. A argumentação do Recorrente poderia, eventualmente, apresentar-se com alguma razoabilidade se esti- véssemos perante um concurso efetivo de crimes (no sentido em que veria aplicada a lei menos favorável a comportamentos autonomamente punidos anteriores), mas é descabida perante a punição unitária do crime continuado. Ao ficcionar a prática de um só crime, unificando a conduta, o legislador coloca o julgador na posição de escolher um regime igualmente unificado para a punição do agente. Nesta perspetiva, escolher o regime vigente à data da prática do último facto para punir o crime (único) continuado em nada afronta a garantia do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição. O recorrente não pode afirmar-se surpreendido por uma norma penal (do RGIT) que estava em vigor à data em que praticou atos que integram a continuação criminosa: podia, enfim, determinar a sua vontade de agir contando com a eventualidade dessa sanção. A circunstância de alguns dos factos que integram o comportamento continuado serem anteriores à vigência do RGIT em nada altera esta conclusão. Só a alteraria se esses mesmos factos fossem autonoma- mente punidos.

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