TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL já o n.º 4-2.ª parte consagra o (mais recente) princípio da imposição da retroatividade da lei penal favorável […] Donde que, por força da conjugação da proibição da retroatividade da lei penal desfavorável com a imposição da retroatividade da lei penal mais favorável, se possa afirmar, hoje, que o princípio que rege a matéria da sucessão das leis penais é o princípio da aplicação da lei penal mais favorável. […]” (itálicos acrescentados). Nos presentes autos, estamos perante uma conduta punível ao abrigo do RJIFNA e também punível ao abrigo do RGIT (algo que o recorrente não contesta), pelo que não está em causa a retroatividade da lei criminalizadora (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição). O que poderá estar em causa – e que o recorrente verdadeiramente questiona – é, tão-somente, o regime da punição da conduta (designadamente, quanto aos prazos de prescrição), o que nos levará, independente- mente do que referiremos no item seguinte, a centrar a discussão na regra da proibição da retroatividade da lei penalizadora (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição). 2.3.2. Antes de mais, porém (e pese embora o recorrente refira os seus argumentos, fundamentalmente, à questão da proibição de retroatividade da lei penal), importa sublinhar – no que vale como um esclarecimento geral do sentido constitucionalmente relevante da punição do crime continuado – que não seria equacionável, por via da interpretação aqui em causa do artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, uma violação do princípio da legalidade criminal, na vertente de certeza da lei penal (artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição). Tal violação só ocorre se (quando) a norma aplicada ultrapassar o sentido possível das palavras da lei que qualifica os factos como crime ou fixa as consequências jurídicas do crime (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 729/14 e 106/17). Ora, apesar de o Recorrente, nas suas alegações, parecer, por vezes, afirmar o contrário, a norma do n.º 1 do artigo 79.º do Código Penal não visa garantir ao agente do crime que, em caso de sucessão de leis penais, pode contar com o regime vigente à data da conduta mais grave, se este for mais favorável, ainda que a mesma conduta prossiga até sobrevir outra norma penal. Desde logo, o n.º 1 do artigo 79.º do Código Penal não visa resolver as hipóteses de sucessão de leis penais, que se regem pelo disposto no artigo 2.º do mesmo diploma (em coerência com os critérios do artigo 3.º, quanto à determinação do momento da prática do facto). Trata-se, apenas, de consagrar um critério para determinação da moldura da pena. Como explicam Jorge de Figueiredo Dias et al ., Direito Penal, cit. , p. 1206/§59.º: “[…] O sentido deste normativo parece assim óbvio: o juiz tem de determinar qual a moldura penal aplicável a cada um dos crimes que integram a continuação. A mais elevada delas, se diferenças houver, será a moldura penal do crime continuado. […]” (sublinhados acrescentados). Ou, nas palavras de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal… , cit., p. 414: “[…] Ao crime continuado aplicam-se as regras dos artigos 30.º/2 e 3 e 79.º, impondo-se a pena cabida à conduta mais grave que integra a continuação […]. Numa primeira operação, o tribunal elege a moldura penal mais grave cabida aos diversos atos singulares; eleita esta, ele irá determinar dentro dela, segundo as regras gerais, a medida da pena do crime continuado. […]” (sublinhados acrescentados). A norma sub judice não viola, pois, o princípio da legalidade criminal.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=