TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

151 acórdão n.º 261/20 2.3. Entende o recorrente que a norma contida no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal interpretado no sentido de, perante continuação criminosa, a determinação do regime jurídico-penal aplicável [aqui enten- dido no preciso sentido delimitado no item 2.1., supra ] operar por referência à data do último facto inte- grante da continuação, independentemente de esta integrar factos anteriores de maior gravidade, é inconsti- tucional por violação do disposto no artigo 29.º, n. os 1 e 4, da Constituição. O recorrente não distingue, propriamente, os comandos contidos nos n. os 1 e 4 do artigo 29.º da Cons- tituição, argumentando por referência a ambos, simultaneamente. De todo o modo, centra a sua crítica na (alegada) violação do princípio da proibição da retroatividade das normas penais, pois afirma que “[…] o entendimento sufragado no acórdão recorrido significa punir mais severamente, porquanto é aplicado um regime mais gravoso relativamente ao prazo prescricional, ao vigente no momento do crime mais grave cometido, sendo, assim, violado o princípio da não retroativi- dade”, pois, no seu entender, “[…] o entendimento sufragado no acórdão recorrido […] desconsidera o regime aplicável à data do cometimento do crime mais gravoso cometido no âmbito do crime continuado”. Importa notar que, para aferir da invocada inconstitucionalidade não pode o Tribunal considerar, rigo- rosamente, o argumento do recorrente segundo o qual “[…] o crime mais gravoso cometido no crime con- tinuado em causa nos autos, é o relativo ao IRC de 1999, estando nessa data em vigor o RJIFNA” (porque, como vimos – item 2.1., supra –, esse pressuposto de maior gravidade da conduta anterior não foi estabele- cido na decisão recorrida e, assim, não integra a dimensão normativa posta em crise), para concluir, por essa via, que “[…] o acórdão recorrido faz retroagir o RGIT a factos anteriores à sua entrada em vigor”. O que pode considerar-se para discussão é apenas o que resulta da norma objeto do recurso: que é aplicada a lei que rege o(s) último(s) facto(s) integrantes da continuação criminosa, independentemente da existência de outros factos anteriores (ou seja, desconsiderando ou não dando relevo a tais factos para a determinação da lei aplicável). 2.3.1. Os n. os 1 e 4 do artigo 29.º da Constituição têm a seguinte redação: Artigo 29.º Aplicação da lei criminal 1 – Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. 2 – (…). 3 – (…). 4 – Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da cor- respondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido. 5 – (…). 6 – (…). Embora quer o n.º 1, quer o n.º 4 deste artigo 29.º se refiram à ideia de retroatividade, as respetivas previsões operam em planos distintos. Como esclarece Américo Taipa de Carvalho, Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, volume I, 2.ª edição, Lisboa, 2017, p. 490: “[…] Se o n.º 1 deste artigo 29.º se refere, em primeira linha, à (proibição da retroatividade da) lei penal criminalizadora , os n. os 3 e 4 referem-se à lei penalizadora, isto é, referem-se, diretamente, à pena ou medida de segurança aplicável ao agente de um determinado facto ilícito criminal (ou tipo de ilícito). Enquanto os n. os 3 e 4-1.ª parte estabele- cem o tradicional (desde fins do século XVIII) princípio da proibição da retroatividade da lei penal desfavorável,

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