TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 74. Ora, se atentarmos no conteúdo essencial da dimensão do princípio da legalidade aqui relevante, a do subprincípio da aplicação da lei penal mais favorável e o confrontarmos com o teor da interpretação normativa cuja aplicação pelo douto tribunal a quo foi descortinada pelo Tribunal Constitucional, apercebemo-nos de que esta ignora, na sua formulação, qual, de entre os regimes penais que se sucedem no tempo, o mais favorável e o mais desfavorável. 75. Ou seja, sendo certo que a interpretação normativa que aqui se contesta atribui uma conveniente importân- cia à desconsideração de que à data do facto mais gravoso integrante da continuação criminosa (que, todavia, releva exclusivamente para efeitos de determinação da pena aplicável) não se encontrava, ainda, em vigor a lei aplicável ao último facto de tal continuação, ela ignora, ainda assim, se o regime jurídico-penal em vigor à data da ocorrência do facto mais gravoso é, ou não, mais favorável do que o regime que o sucede – uma vez que aquele pode, em concreto, revelar-se menos favorável do que o constante da lei nova –, omitindo, irreparavelmente, na sua formulação, qualquer referência ao resultado da comparação dos regimes jurídico-penais que se sucedem no tempo. 76. Dito de forma mais sucinta, omitindo a interpretação normativa escrutinada qualquer referência à natureza mais ou menos favorável da lei penal no âmbito da qual foi praticado o facto mais gravoso integrante da continua- ção criminosa, tal impede que se infira que a mera desconsideração de que o regime jurídico-penal em vigor à data daquele facto mais gravoso é distinto do vigente – e aplicado – à data do último facto integrante da mencionada continuação criminosa, se revele suscetível de violar o princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio da apli- cação da lei penal mais favorável, proclamado no artigo 29.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. 77. Atendendo ao acabado de explanar, somos forçados a concluir que a norma contestada nos presentes autos, a “contida no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, interpretado no sentido de, perante continuação criminosa, a determinação do regime jurídico-penal aplicável operar por referência à data do último facto integrante da conti- nuação, independentemente de esta integrar factos anteriores de maior gravidade”, não revela qualquer desconfor- midade com o princípio da legalidade, com acolhimento no artigo 29.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, designadamente na sua dimensão de princípio da aplicação da lei penal mais favorável. 78. Por força do exposto, e reiterando o já afirmado, entendemos que o Tribunal Constitucional não deverá julgar materialmente inconstitucional a norma ínsita no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, na interpretação impugnada, negando, assim, provimento ao recurso. Nestes termos, negando provimento ao presente recurso, fará o Tribunal Constitucional a costumada Justiça. […]”. Cumpre, após o relato do percurso do processo, apreciar e decidir o recurso de constitucionalidade. II – Fundamentação 2. Impõe-se, antes de mais, uma palavra sobre o sentido da norma a sindicar. 2.1. O objeto do presente recurso foi fixado pelo Tribunal no Acórdão n.º 150/19 (cfr. item 1.2.2., supra ), no qual se decidiu deferir a reclamação apresentada pelo ora recorrente, determinando-se o recebi- mento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, tendo por objeto a norma contida no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, interpretado no sentido de, perante continuação criminosa, a determinação do regime jurídico-penal aplicável operar por referência à data do último facto integrante da continuação, independentemente de esta integrar factos anteriores de maior gravidade. Importa recuperar os precisos fundamentos dessa decisão e a dinâmica do processo, que permitem com- preender melhor o que está – e o que não está – contido no objeto do recurso. Subjacente à questão de inconstitucionalidade normativa está uma condenação do recorrente pela prá- tica de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e c) , e 104.º, n. os 1, alíneas d) , e) , e 2, do RGIT e pelos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal

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