TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

147 acórdão n.º 261/20 63. Conforme resulta do teor do douto aresto recorrido e, bem assim, do conteúdo do acórdão sobre o qual aquele se pronunciou, das várias condutas ilícitas que integraram o crime pelo qual foi o ora recorrente judicial- mente condenado, não procuraram os Venerandos decisores discriminar qualquer delas (talvez porque nenhuma das plúrimas condutas praticadas pelo arguido se destacasse das outras pela sua gravidade), considerando-a a mais grave e determinando por ela a moldura penal abstrata do crime imputado ao agente. 64. Assim sendo, as inferências conjugadas extraídas pelo recorrente, no sentido de que o regime legal aplicável ao crime continuado deveria ser o que vigorava antes da entrada em vigor do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias) e, bem assim, de que as regras da prescrição do procedimento criminal aplicáveis ao conjunto dos ilícitos integrantes do crime continuado teriam de ser as resultantes do RJIFNA (Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras), não se verificam. 65. Além do mais, acresce ao agora expendido, que nem o tribunal a quo , nem o tribunal de primeira instância, avaliaram e confrontaram os regimes penais que se sucederam no tempo, não os tendo apreciado e comparado em bloco a fim de concluir qual o globalmente mais favorável (não dando, consequentemente, por assente, que a aplicação da lei antiga implicasse, necessariamente, a extinção do procedimento criminal). 66. Sem prejuízo do acabado de expor, se atentarmos na natureza jurídica do crime continuado e nas dúvidas doutrinárias por ela suscitadas, não poderemos deixar de concluir que também por esta via não poderá a tese defen- dida pelo recorrente fazer vencimento. 67. Para apurarmos, em caso de sucessão de leis penais no tempo, qual a lei aplicável à linha de pontos que constitui o crime continuado, teremos de determinar, como o fez o tribunal a quo – e concordando, neste particu- lar, com o alegado pelo recorrente –, qual o tempus delicti , ou seja, qual o momento historicamente relevante para determinar, de entre as leis temporalmente conflituantes, a juridicamente relevante. 68. Ora, escorando-se numa aceitável interpretação da determinação desse tempus delicti, entendeu o tribunal a quo, em conformidade com a adquirida jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, situá-lo no momento da consumação do crime, ou seja, no momento da prática do último ato criminoso. 69. Dito isto, não poderemos ignorar que a argumentação do recorrente se sustenta, outrossim, na determina- ção do tempus delicti , por ele situado, embora arbitrariamente, em momento anterior à entrada em vigor do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias), mais concretamente no momento da prática do ato delituoso suposta- mente mais grave de entre os integrantes do crime continuado. 70. Isto é, quer adotemos o entendimento expresso pelo Professor Germano Marques da Silva no sentido de que o crime continuado mais não representa do que uma unificação de vários crime para efeitos meramente punitivos, o que implica, em casos como o presente, que se possa, eventualmente, julgar prescrito o procedimento criminal quanto aos crimes praticados no domínio da lei antiga mas não quanto aos praticados no domínio da lei nova; quer aceitemos a tese manifestada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão de 14 de março de 2007 (e, identicamente, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de novembro de 2014, prolatado no Processo n.º 20/02.0IDBRG-X.G1) no sentido de que os atos criminosos revelam uma unidade de atuação contrária ao direito que só se consuma com o cometimento do último ato criminoso, sempre teremos que concluir que a tese do recorrente não colhe uma vez que o procedimento criminal não pode, atenta a globalidade dos factos praticados, ser julgado extinto, tout court , pelo decurso do prazo prescricional. 71. Todavia, conforme já adiantáramos, as considerações acabadas de explanar embora não sendo inúteis, uma vez que visaram responder ao alegado pelo recorrente, revelam-se redundantes se confrontadas com o objeto nor- mativo do presente recurso, nos termos definidos pelo Tribunal Constitucional no seu douto Acórdão n.º 150/19. 72. Com efeito, no mencionado aresto, conforme já apreendêramos, foi tal objeto definido como a norma contida no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, na interpretação segundo a qual, perante continuação criminosa, a determinação do regime jurídico-penal aplicável pode operar por referência à data do último facto integrante da continuação, independentemente de esta integrar factos anteriores de maior gravidade. 73. Esta interpretação normativa, oportunamente reformulada, revela-se, segundo a pretensão manifestada pelo recorrente, suscetível de violar o princípio da legalidade, plasmado no artigo 29.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, na sua dimensão de proibição de retroatividade da lei penal mais desfavorável.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=