TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O entendimento sufragado no acórdão recorrido significa punir mais severamente, porquanto é aplicado um regime mais gravoso relativamente ao prazo prescricional, ao vigente no momento do crime mais grave cometido, sendo, assim, violado o princípio da não retroatividade. Com efeito, o entendimento sufragado no acórdão recorrido de ‘Fixando o início da vigência do RGIT em 5 de julho de 2001, e sendo a emissão a emissão de algumas faturas posterior a esta data é então esse o regime aplicável’, desconsidera o regime aplicável à data do cometimento do crime mais gravoso cometido no âmbito do crime continuado. Ora, o crime mais gravoso cometido no crime continuado em causa nos autos é o relativo ao IRC de 1999, estando nessa data em vigor o RJIFNA. Assim, o acórdão recorrido faz retroagir o RGIT a factos anteriores à sua entrada em vigor. Deste modo, o acórdão recorrido ao interpretar o artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, como aplicável o regime jurídico vigente à data do último facto integrante da continuação, desconsiderando o regime vigente à data do facto mais grave integrante da continuação, efetua uma interpretação inconstitucional deste preceito violadora do artigo 29.º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. Em conclusão: a) o acórdão recorrido entendeu que fixado ‘o início da vigência do RGIT em 5 de julho de 2001, e sendo a emissão de algumas das faturas posterior a esta data é então esse o regime aplicável, isto sem que daí decorra qualquer preterição aos mandamentos constitucionais do coligido artigo 29.º, n.ºs 1 e 4.’; b) desconsiderou, assim, o regime vigente à data do facto mais gravoso integrante do crime continuado; c) ao interpretar o artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, como sendo aplicável o regime vigente à data do último facto, apesar de mais gravoso que o regime vigente à data do facto mais grave integrante do crime continuado, o acórdão recorrido efetuou uma interpretação inconstitucional violadora do princípio da legalidade, do artigo 29.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, ao aplicar retroativamente o RGIT quando o mesmo não estava em vigor à data do facto mais grave do crime continuado. [D]eve ser dado provimento ao recurso, declarando-se inconstitucional a norma contida no artigo 79.º, n.º 1 do Código Penal, quando interpretada no sentido de, perante continuação criminosa, a determinação do regime jurídico-penal aplicável operar por referência à data do último facto integrante da continuação, desconsiderando que à data do facto mais gravoso integrante da continuação tal regime não se encontrar em vigor. […]”. 1.2.5. O Ministério Público apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: “[…] 60. Quer a configuração inicialmente dada pelo recorrente ao presente recurso de constitucionalidade, quer as suas alegações de fls. 19991 a 19995 v.º, fizeram incidir a sua intervenção processual sobre os fundamentos do douto acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra e não sobre a interpretação normativa que consti- tuiu a sua ratio decidendi . 61. Na verdade, o ora recorrente pretende, por via de recurso – para mais, de constitucionalidade –, impugnar segmentos da decisão que não aceita, fazendo incidir a sua argumentação, para além disso, sobre elementos que foram desconsiderados ou nem sequer mereceram a apreciação do tribunal a quo. 62. Efetivamente, o recorrente sustenta a sua conclusão de que o Venerando Tribunal a quo violou o princípio da legalidade ‘ao interpretar o artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, como sendo aplicável o regime vigente à data do último facto, apesar de mais gravoso que o regime vigente à data do facto mais grave integrante do crime conti- nuado”, num pressuposto sobre o qual aquele Venerando Tribunal não se pronunciou, qual seja, o da identificação do “facto mais grave integrante do crime continuado’ ou, mais rigorosamente, da identificação de qual o crime mais grave que integra a continuação criminosa.

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