TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas proces- suais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data em que praticou os factos (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição). IV - Este evidente sentido da norma do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição basta para compreender que a Lei Fundamental não fornece qualquer sinal contrário à norma aplicada na decisão recorrida; desde logo, não resulta, pelo menos imediatamente, da norma objeto do recurso que exista um regime mais favorável vigente à data da prática de atos anteriores à vigência do RGIT e ainda que se admita que esse desfavor está implícito na desconsideração do regime anterior (no caso, o RJIFNA), a sua preten- são não será bem fundada; embora, eventualmente, pudesse apresentar-se com alguma razoabilidade se estivéssemos perante um concurso efetivo de crimes (no sentido em que veria aplicada a lei menos favorável a comportamentos autonomamente punidos anteriores), é descabida perante a punição uni- tária do crime continuado. V - Ao ficcionar a prática de um só crime, unificando a conduta, o legislador coloca o julgador na posi- ção de escolher um regime igualmente unificado para a punição do agente; nesta perspetiva, escolher o regime vigente à data da prática do último facto para punir o crime (único) continuado em nada afronta a garantia do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição; o recorrente não pode afirmar-se surpreen- dido por uma norma penal (do RGIT) que estava em vigor à data em que praticou atos que integram a continuação criminosa: podia, enfim, determinar a sua vontade de agir contando com a eventualidade dessa sanção; a circunstância de alguns dos factos que integram o comportamento continuado serem anteriores à vigência do RGIT em nada altera esta conclusão – só a alteraria se esses mesmos factos fos- sem autonomamente punidos; o arguido só estaria protegido pelo n.º 4 do artigo 29.º da Constituição (no exemplo dos autos) se a conduta se tivesse verificado integralmente na vigência do RJIFNA – só aí se poderia legitimamente afirmar a surpresa decorrente da aplicação do RGIT, pelo que se conclui que não se verifica violação do disposto nos n. os 1 e 4 do artigo 29.º da Constituição. VI - A conclusão alcançada encontra-se em perfeita sintonia com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) quanto à lei aplicável à punição dos ilícitos continuados; também para o TEDH, como para o Tribunal Constitucional, a unificação decorrente da qualificação de uma conduta penalmente relevante enquanto “crime continuado” tem importantes consequências em sede de garantias individuais quanto à aplicação da lei penal no tempo, tornando possível a aplicação da lei vigente à data da última conduta (no pressuposto de se tratar de lei certa) – conduta que resultou de uma atuação voluntária de alguém que podia (e devia) contar com a norma incriminadora e a respe- tiva sanção e, ainda assim, escolheu agir, rectius , escolheu continuar a agir. Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – A Causa 1. Correu termos no Juízo Central Criminal de Leiria, com o número 4/03.1IDACB um processo comum para julgamento por tribunal coletivo, em que é arguido (entre outros) A. (o ora recorrente). O tribunal de primeira instância condenou-o, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma
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