TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O regime tem, assim, um sentido essencialmente pedagógico e de prevenção, visando sinalizar, de uma forma facilmente percetível pelo público em geral e através de um registo centralizado, as infrações cometidas pelos condutores bem como os respetivos efeitos penais ou contraordenacionais. Deste modo, permite-se também à administração verificar se o titular da licença ou carta de condução reúne as condições legais para continuar a beneficiar da mesma. Com efeito, a atribuição de título de condução pela República Portuguesa não tem um caráter absoluto e temporalmente indeterminado. Existe, assim, como que uma avaliação per- manente, através da adição ou subtração de pontos, da aptidão do condutor para conduzir veículos a motor na via pública. Ou seja, em rigor, num tal sistema, o título de condução nunca é definitivamente adquirido, antes está permanentemente sujeito a uma condição negativa referente ao comportamento rodoviário do seu titular. O direito de conduzir um veículo automobilizado não é incondicionado. 8. No caso que deu origem ao presente recurso, o recorrente foi condenado, por sentenças transitadas em julgado, pela prática sucessiva de dois crimes de condução em estado de embriaguez, além do mais, nas penas acessórias de proibição de conduzir por um período de 3 meses e 4 meses, respetivamente. O processo penal aplicável a estas condenações criminais está sujeito ao respeito pelos princípios constitucionais decor- rentes do artigo 32.º da Constituição. Foram as referidas condenações em penas acessórias de proibição de conduzir que desencadearam a perda de pontos para efeitos de uma possível cassação do título de condução a que alude a alínea c) do n.º 4 do artigo 148.º do CE. Neste quadro, a cassação da carta de condução surge, portanto, não como uma pena acessória ou medida de segurança, mas antes como uma consequência, legalmente prevista, da aplicação de penas de inibição de conduzir. Essa cassação decorre de um juízo feito pelo legislador sobre a perda das con- dições exigíveis para a concessão do título de condução, designadamente por verificação de ineptidão para o exercício da condução, que implica o termo da concessão da autorização administrativa para conduzir. O mesmo juízo acarreta a proibição de concessão de novo título de condução por um período de dois anos após a efetivação da cassação, decorrente do n.º 11 do artigo 148.º do CE. 9. Apesar de ao longo das suas alegações o recorrente aludir genericamente a outros parâmetros cons- titucionais como os princípios da culpa e da igualdade é ao princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, que imputa a inconstitucionalidade da norma sindicada. O princípio da proporcionalidade ocupa um lugar central no nosso ordenamento jurídico-constitucio- nal, no que diz respeito ao controlo dos atos do poder público, nomeadamente na avaliação da conformidade constitucional das restrições de direitos fundamentais. De acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constitui- ção, tais restrições devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitu- cionalmente protegidos». É à luz deste preceito que terá lugar a aplicação dos três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade: idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito). O ponto de partida da análise é, portanto, a identificação do bem jurídico afetado pela restrição, para aferir se este se encontra protegido por um direito fundamental. Todavia, no caso da norma em análise, não se identifica nenhum direito fundamental que seja restrin- gido. Não existe, com efeito, um direito fundamental absoluto a conduzir veículos a motor, designadamente na via pública, independentemente da verificação da aptidão da pessoa para a condução. Trata-se de uma ati- vidade dependente da atribuição de licença ou carta de condução e está depende da verificação de requisitos positivos e negativos estabelecidos pelo legislador. Não existindo uma restrição de um direito fundamental, não existe razão para mobilizar o princípio da proporcionalidade com este fundamento. 10. No entanto, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso ainda é convocável por uma outra via, independentemente da restrição de um direito fundamental. O princípio da proporcionalidade

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=