TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
126 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a estabilidade e continuidade do direito à habitação, sobre o interesse do proprietário alienante ou do poten- cial adquirente. A iniciativa e a condução do processo de alienação continuam a pertencer ao proprietário- -alienante, que, por isso, também dispõe dos meios jurídico-contratuais, para prevenir as diferentes situações e adequar as soluções em função das variáveis que possam ocorrer. O que não pode é desconsiderar a posição jurídica do(s) arrendatário(s) e o direito à habitação co-envolvido. Divergimos, por isso, do juízo e fundamentação do presente Acórdão, quanto a vários pontos essenciais. 3. Em primeiro lugar, cabe notar que o Acórdão parte de uma premissa fundamental – a da inadaptação da preferência legalmente criada pela norma questionada aos regimes jurídicos legalmente vigentes da propriedade e da preferência. Essa premissa, que constitui pilar essencial da argumentação expendida, condiciona o juízo de inconstitucionalidade. Ora, a análise jurídico-constitucional há de partir da Constituição, no caso, da proteção jusconstitucionalmente conferida ao direito de propriedade, confrontando com ela – e não com o regime jurí- dico resultante do Código Civil – a solução normativa em apreciação. A legislação ordinária –mesmo quando consagra ou regula institutos jurídicos seculares – não constitui parâmetro de validade das opções legislativas, que livremente os podem modificar, afastando-se da sua configuração tradicional. Aliás, nesta matéria, a jurisprudência e doutrina dominantes têm reconhecido uma ampla margem de atuação do legislador, tendo este Tribunal, em regra, recusado reconhecer as limitações à liberdade de trans- missão como uma dimensão do direito de propriedade análoga aos direitos, liberdades e garantias. Além disso, mesmo no âmbito de atuações claramente limitadoras daquele direito, no Acórdão n.º 421/09 (que, recorde-se, não se pronunciou pela inconstitucionalidade de normas que autorizavam o Governo a legislar no sentido de estatuir instrumentos específicos de política urbanística, designadamente, venda ou arrenda- mento forçado), o Tribunal Constitucional reiterou a ideia, de que a Constituição permite ao legislador uma ampla liberdade em matéria de conformação e restrições ao direito de propriedade, inclusive no interesse de privados, desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional. 4. Nestes termos, haveria que levar em consideração – algo que o presente Acórdão não faz – que a intenção do legislador visou proteger um direito fundamental com estatuto jurídico constitucional idêntico ao direito de propriedade: o direito à habitação. Este facto é, aliás, evidente, se atendermos a que o âmbito de aplicação da norma questionada se restringe aos arrendamentos habitacionais. Está, por isso, em causa um conflito de direitos fundamentais de igual valor, cujo peso, na ponderação jurídico-constitucional a efetuar, não poderá deixar de ser equivalente. 5. Por outro lado, a argumentação da maioria funda-se numa leitura rígida das normas legais, tomando como factos concretas interpretações do regime jurídico criado pela norma em apreço, cuja efetiva aplicação está por demonstrar. Pressupõe-se, por exemplo, que “a prioridade do preferente não é exercida em rigorosa paridade com as condições negociadas com terceiro, e por isso mesmo o sacrifício que é imposto ao proprie- tário vai muito além da limitação da liberdade de escolha do contraente”, desde logo, porque, “se o arrenda- tário declarar preferir, está obrigado a vender uma quota ideal do mesmo” Além disso, não partilhamos a premissa, fundamental no Acórdão, nos termos da qual não é “seguro que a estabilidade na habitação seja efetivamente protegida pelo exercício do direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil. E isto por duas ordens de razão: por um lado, pode não ser possível a divisibilidade em substância e jurídica da coisa comum, tendo em consideração as suas características físico- -materiais; por outro, mesmo quando tal seja possível, não está garantido que a parte afeta ao ‘’uso exclusivo” venha a ser adjudicada ao preferente”. Esta ideia supõe uma impossibilidade ou dificuldade inerente à divisão de coisa comum que não se verifica na generalidade dos casos, e não tem eco na jurisprudência dos tribunais comuns, e que é desmentida, desde logo, pelo facto de boa parte dos arrendatários incluídos no âmbito de aplicação do novo direito de preferência habitar partes do prédio em tudo semelhantes a uma fração autó- noma. Por outro lado, tal asserção ignora a irradiação para o direito infraconstitucional da solução nova
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