TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
125 acórdão n.º 299/20 Tem voto de vencido do Conselheiro Claudio Monteiro , que entretanto cessou funções. O relator, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, atesta o voto de conformidade do Conselheiro José António Teles Pereira, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Maria José Rangel de Mesquita, Joana Fernandes Costa , e o Presidente Manuel da Costa Andrade . – Lino Rodrigues Ribeiro. Lisboa, 16 de junho de 2020. – Lino Rodrigues Ribeiro – João Pedro Caupers – Maria de Fátima Mata- -Mouros – Mariana Canotilho ( vencida, nos termos da declaração de voto anexa) – Pedro Machete (vencido, conforme a declaração junta) – Fernando Vaz Ventura (vencido, conforme declaração de voto junta). DECLARAÇÃO DE VOTO Vencidos, pelas seguintes razões essenciais: 1. A norma que o Tribunal é agora chamado a apreciar inscreve-se num programa mais vasto de salva- guarda do direito à habitação e tem como objetivo específico conferir efetividade a um direito de preferência já legalmente reconhecido do arrendatário habitacional: a intenção inequívoca do legislador é, na verdade, colocar em situação de igualdade todos os arrendatários no que se refere ao acesso à propriedade da sua habi- tação em caso de alienação desta pelo respetivo proprietário. Recorde-se que, relativamente aos arrendatários que habitam locais correspondentes a frações autóno- mas de prédios constituídos em propriedade horizontal, a lei vigente consagra o direito de preferência na compra das frações. Contudo, aqueles arrendatários que habitam locais integrados num imóvel indiviso, seja por decisão do respetivo proprietário em não proceder à constituição de propriedade horizontal, seja por o imóvel devido à sua configuração específica não cumprir todos os requisitos administrativos da constituição de propriedade horizontal – situação muito frequente em imóveis localizados nos centros históricos das grandes cidades –, ou não tem direito de preferência algum ou somente podem preferir pela totalidade do prédio indiviso. E isto apesar de o respetivo locado satisfazer o seu direito à habitação nos mesmos termos em que tal sucede relativamente aos arrendatários de frações autónomas; e de o arrendamento para habitação corresponder nas duas situações consideradas ao mesmo tipo de relação jurídica com o senhorio. Daí ter o legislador optado, no exercício da sua liberdade de conformação do regime legal vigente, por passar a tratar de forma idêntica situações materialmente semelhantes do ponto de vista do arrendatário. Tal opção política procurou resolver uma situação que o legislador qualificou como “um enorme dese- quilíbrio no mercado entre as partes”, que “não protege a estabilidade dos contratos de arrendamento e que favorece a especulação imobiliária”. Num contexto de alegada “emergência habitacional, principalmente nas cidades com maior pressão imobiliária”, o Parlamento entendeu, pela via legislativa, “introduzir elementos urgentes de regulação deste mercado” ( Diário da Assembleia da República , I Série, n.º 81/XIII/3, 5 de maio de 2018, pp. 26-27). Esta posição encontra, aliás, eco na doutrina internacional mais recente, que tem vindo a chamar a atenção para os riscos que a conceção da habitação como um ativo financeiro e não como um bem social comporta para o direito fundamental à habitação, e para a importância da proteção desse direito, tam- bém através de medidas legislativas (ver, por todos, Leijten, Ingrid, e Kaisa de Bel. “Facing financialization in the housing sector: A human right to adequate housing for all”, in Netherlands Quarterly of Human Rights 38, n.º 2, 2020, pp. 94-114; Pérez, Amalia Balaguer, e Yolanda Gomez Sánchez, El derecho a la vivienda en el derecho constitucional europeo, Thomson Reuters Aranzadi, 2018). 2. Garantindo o pagamento do valor proporcional do locado e a afetação do uso exclusivo desse local (tal como vinha sucedendo até ao momento do exercício da preferência), o legislador, por via de uma propriedade sui generis , cria as condições para que o interesse de quem reside no locado possa prevalecer, salvaguardando
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