TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

124 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Significa isto que o resultado obtido não é proporcional à carga coativa que a norma comporta. A preferên- cia causa prejuízos consideráveis ao proprietário e posteriormente aos consortes: não é concedida em condições de igualdade com outrem; sujeita o proprietário a alienar parte alíquota do prédio contra a sua vontade; priva os demais consortes da utilização direta ou aproveitamento imediato de parte da coisa comum. Ou seja, a prefe- rência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil acaba por desvalorizar a propriedade a que está ligada muito para além do que normalmente ocorre nas demais preferências legais, que apenas limitam a liberdade de escolha do contraente, e por diminuir o uso ou aproveitamento que os demais consortes poderiam ter e retirar da propriedade comum. Ora, estes entraves colocados ao proprietário e aos comproprietários no interesse do arren- datário são excessivos, desrazoáveis e gravosos, na medida em que também se constata que a preferência não per- mite alcançar os objetivos que estão na base da mesma. Com efeito, o exercício desse direito não permite o acesso imediato à propriedade plena do local arrendado, nem a compropriedade garante a estabilidade na habitação. Trata-se, pois, de uma intervenção legislativa que, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, não se encontra numa relação proporcional ou razoável – de justa medida – com os fins prosseguidos. A ponderação entre a intensidade da intervenção e o peso da sua justificação, o interesse da estabilidade na habitação, tem como resultado que a preferência numa quota-parte do prédio, correspondente ao locado, ultrapassa os limites impostos pela proporcionalidade à determinação do conteúdo e limites do direito de propriedade. Assim, a intervenção na propriedade excede a medida constitucionalmente adequada da vinculação social. Por tudo o que se conclui que a norma sub juditio , ao limitar desproporcionalmente o direito de pro- priedade privada do senhorio, viola o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição. 22. Os requerentes invocam ainda que a norma da alínea a) do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na parte em que se refere ao critério para o cálculo do valor da contraprestação pecuniária a realizar pelo preferente, viola o direito ao pagamento de justa indemnização, garantido no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. Já se chegou à conclusão de que a norma sub juditio configura uma violação da garantia da propriedade privada, ínsita no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição. Ora, não se encontrando devidamente justificada a restrição em questão, não se chega sequer a colocar o problema do dever indemnização. De todo o modo, tendo tal questão sido suscitada expressamente pelos requerentes, sempre se dirá que a mesma não poderia ser colocada por motivo mais relevante: o direito de preferência não constitui privação, abla- ção ou “expropriação” do objeto do direito de propriedade. O proprietário conserva a liberdade de contratar ou não contratar, apenas está obrigado a dar preferência ao arrendatário na venda se tomar a decisão de contratar. Antes disso, o preferente não tem a faculdade de exigir qualquer preferência, apenas está em condições de exercer o seu direito após o proprietário ter livremente decidido vender ou dar em cumprimento. Só após a decisão de contratar é que ocorrem limitações ou restrições a algumas das liberdades que integram o poder de disposição do proprietário, especialmente a liberdade de escolher o contraente. Porém, a definição normativa desses limites e restrições não transforma a preferência num ato ablativo sujeito a indemnização. Se a determinação desses limi- tes afetar excessivamente o feixe de liberdades que comporta o direito de dispor, o problema é, como vimos, de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, e não do dever de indemnização. Neste caso, como refere Miguel Nogueira de Brito, «o afetado não pode retirar imediatamente da inconstitucionalidade da lesão do seu direito, a pretensão a uma indemnização por expropriação, nem tão pouco optar entre recorrer aos tribunais para eliminar a lesão do seu direito ou para obter uma indemnização» ( ob. cit. , p. 1008). III – Decisão Pelo exposto, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, por violação do n.º 1 do artigo 62.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, da Constituição.

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