TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
123 acórdão n.º 299/20 prédio poderia não reunir os requisitos formais para a constituição em propriedade horizontal. Mas se for esse o único motivo do abandono daquela hipótese – o procedimento legislativo não revela outro –, também não poderá dizer-se que tal dificuldade é ultrapassada com a aquisição da quota-parte do prédio, correspon- dente ao locado. Não existindo um regime especial de constituição da propriedade horizontal para o tipo de edificações oneradas com o direito de preferência – prédios antigos que não se encontram em regime de propriedade horizontal –, eventualmente com dispensa de determinados requisitos administrativos, o prédio mantém-se indivisível, situação em que não há qualquer garantia que o preferente possa adquirir o locado. Tal possibilidade só existiria se a preferência abrangesse a totalidade do prédio, o que não é o caso, se o comproprietário preferisse na alienação das quotas dos demais consortes (artigo 1409.º, n.º 1, do Código Civil), ou se os consortes acordassem, na ação de divisão de coisa comum, em adjudicá-lo ao preferente em vez de o vender a terceiros. De qualquer modo, podem ser poucos os arrendatários que têm meios financeiros necessários para se tornarem adquirentes da totalidade do prédio. Verifica-se, assim, que a aquisição de uma quota-parte ideal do prédio indiviso através do exercício do direito de preferência não é um meio tão eficaz e idóneo para atingir a estabilidade habitacional do arrenda- tário quanto o da sujeição da alienação à prévia constituição da propriedade horizontal. A subordinação ex lege dos efeitos do negócio projetado à constituição da propriedade horizontal permite que o arrendatário exerça a preferência sobre o “local arrendado” sem provocar prejuízos económicos ao proprietário. A consti- tuição da propriedade horizontal torna possível que o objeto do direito de preferência coincida com o local arrendado e, deste modo, que a preferência seja exercida em paridade de condições com a oferta de terceiro. Com o que logo se dá conta que essa solução é bem menos limitativa dos interesses do proprietário do que a constituição de compropriedade sobre o imóvel. Isto porque a preferência na venda da fração autónoma é exercida “tanto por tanto”, sem qualquer prejuízo para o proprietário, enquanto a alienação forçada de uma quota-parte ideal do prédio não é um contrato idêntico ao concluído com terceiro. O prejuízo que o proprietário pode ter naquela alternativa é o custo da constituição da propriedade horizontal. Mas se é certo que a constituição da propriedade horizontal pode gerar despesas ao proprietário, não é menos certo que as pode repercutir no preço da venda das frações autónomas. Por isso é que, como atrás se disse, a constituição da compropriedade através do exercício da preleção revela-se uma medida mais lesiva dos interesses do pro- prietário do que a prévia constituição da propriedade horizontal, assim como é menos eficaz na proteção do interesse do arrendatário na estabilidade da sua habitação. Por último – e é isto o mais importante – a opção pela aquisição da quota-parte do prédio, corres- pondente ao locado, prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, não salvaguarda o equilíbrio de interesses entre proprietário e arrendatário, entre sujeito passivo e sujeito ativo da relação de preferência. O interesse do proprietário é alienar o prédio em igualdade de condições ajustadas com terceiro; o interesse do arrendatário é adquirir a propriedade do local arrendado, com prioridade sobre terceiro. Só que, nos termos em que a preferência foi estabelecida naquele artigo, o interesse do preferente não pode ser prosseguido sem detrimento do interesse do proprietário, já que a prioridade do preferente não é exercida em rigorosa pari- dade com as condições negociadas com terceiro, e por isso mesmo o sacrifício que é imposto ao proprietário vai muito além da limitação da liberdade de escolha do contraente. Não pode, na verdade, deixar de concluir-se que o regime especial de preferência contido no n.º 8 do artigo 1091.º sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional. Como vimos, para o proprietário-senhorio, o exercício do direito de preferência traduz-se num duplo limite à livre disponibilidade do bem: está impedido de alienar a totalidade do prédio e, se o arrendatário declarar preferir, está obrigado a vender uma quota ideal do mesmo; e para os demais consortes, tem o efeito de impedir o uso de parte da coisa comum, enquanto não se proceder à divisão ou venda do pré- dio. Por sua vez, o arrendatário converte-se em comproprietário, sem ter a certeza sobre a possibilidade da coisa comum se dividir em substância, por se verificarem os requisitos da propriedade horizontal, e sem ter quaisquer garantias de que não ação de divisão de coisa comum o local arrendado lhe poderá ser adjudicado.
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